terça-feira, abril 5

Matemática


Coçava a cabeça em um buscar solução. Nunca tinha passado por perreio assim. Sabia sem mágoa que não tinha estudo algum, a vida não permitiu. Muito novo entrou na lida, ajudar no sítio. Seis filhas, só ele filho homem. Tinha duas obrigações, ajudar pai na roça para garantir sustento e vigiar as irmãs para que não caíssem em garras de moços/lobos, famintos por tenra carne. Quase conseguiu. Mesmo depois da volta do pai e da mãe para as estrelas mantinha vigília cerrada. Digo quase, pois conseguiu levar quatro das moças ao altar que, contrariadas, casaram sem amor.

Acharam por bem seguir sina. Outra, de tanta tristeza, por tanto desamor sofrer, escolheu convento, virou freira. A mais triste das religiosas preferiu clausura. Contam que chorava dia e noite. Eterno desidratar só podia levar ao fim. Morreu afogada em lágrimas. Santificaram-na. Contam até milagres da freira-que-chorava-sem-parar.

Tinha romaria e fila para entrar no quartinho do convento onde, contam e repito o dito, não vi, brotou por todos os lados, do chão ao teto, milhares de risonhas margaridas. Alimentadas pelo sal das lágrimas que carcomeu todo o lugar de pedra, inclusive o teto. O estranhamento maior era que as margaridas sorridentes nunca murchavam, não sentiam nem a falta de sol e água. A caçula fugiu para sempre. Ninguém saberia mais de seu paradeiro. Feliz, ganhou estrada.

Por conta do tal perreio foi buscar recurso. Procura o compadre na venda, em um domingo de pouca coisa. O dia era para descansar, jogar dominó, beber uma cachacinha de alambique, dos antigos, pedra e cobre. Da quentura até refrescar era um deleite só.
Sabia o compadre. Bom de notícias, de escrita e principalmente de contas, aprendeu, estudou muito. Fez até a quarta série, mas como só tinha até ai na escola da fazenda, seu pai o obrigou a fazer cinco vezes. Aprendeu com jeito e poderia até ser professor. Pediu a ele socorro.

— Compadre você é bom de matemática, acode fazer conta de venda de frango. Você sabe, eu crio a meia com o compadre Armiro tem tempão. Sempre dava número seguro de fácil trato. Era só ir apartando na carroça mesmo, no jacá. Um lá prá dentro, outro pra fora. Nunca deu de errar, nem de sobrar. Pois não é que dessa vez sobrou uma franga grande, do pescoço pelado? Canela seca das boas, até cotoco de espora a danada tem. Peito carnudo e firme. Nem ia vender, pois ia ficar para tirar raça junto com meu galo índio ou passar no papo, em belo refogado.

Pois olhe, sobrou essa belezura, assim no acaso, sem tramóia, nem ajeito. Foi o acontecer sozinho, acaso.
Tirei todas pra trás e tornei voltar. Sempre sobrando uma. Ai me deu de ideia contar as galinhas. Pronto, taí o mandeiro do erro. Tocou cinquenta e um no todo. Como é divido isso na ponta do lápis, sei fazer não senhor.
O compadre que, àquela altura da manhã, já havia derrubado mais de meia garrafa da cana e tantas de cervejas, nem pestanejou;
— Uai compadre essa é das mais fáceis. Pensa comigo: cinquenta e um divido por dois, só pode dar meio litro prá cada um, senta ai, toma um gole ara!






Jornal Correio em 27/03/ 2016



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