segunda-feira, maio 2

Procura-se um gato




Procura se um gato, atende por nome algum. Seu pelo é negro como a mais escura das noites. Noite daquelas sem estrelas ou lua, daquelas em que até os vaga-lumes descansam, os grilos emudecem, as corujas, ora veja, descansam aninhadas com seus amores.

Procura-se um gato que ronrona canções mansas e ensina bem querer.

Gato este que me mostrou o caminho de retorno ao gostar, ao carinho, ao amor verdadeiro. Gato preto este que levou consigo meus lutos. Aberto a paixões, pronto.

Como sina, perco bichano. Outro dia contei dele, de seu do nada aparecer, tomou conta manso. Subia a janela e batia para entrar, miava serenatas quando com fome ou sede. Sabia pedir com o olhar de ver no escuro.

Se perdeu o caminho, que o ache de volta. Talvez uma saída para namorar? Uma farra noturna?
Mas se roubado foi, pois manso era, cativante anjo da noite, cuidem bem dele, sua luz clareia o negrume, contraste com seu pelo.

Que receba afago e carinho. Ele retribuirá com virar de olhos e miados sonoros. Que seja bem tratado. Poucos gatos têm dono, eles de apossam das gentes. Se foi levado e não gostar, toma rumo e me acha se essa for sua vontade.

Minha safra de perdas parece não ter fim.

Que seja assim a última da colheita, pelo menos, por um tempo. Como chão que pede repouso após plantio, minha alma, meu coração pede pausa em perdas. Deixa tudo cicatrizar em preparo para outra safra, pois perdas são inevitáveis, mas não precisam vir todas de uma vez.

Procuro um gato, um gato preto que mesmo recebendo nome de Ângelus, da oração que só depois vim conhecer, não atende chamado, não se dá conta. Anjos não carecem nomes nem sexo. Procura-se um gato que chegou gata, descobri depois, gato era.

E logo ele que me devolveu a crença em amor sem cobrança, todo pautado na confiança.
Recompensa-se bem. Ofereço amizade plena e sincera, ofereço ombro para aflições compartilhar e meu tempo para ouvir.

Acordo cedo. Um vazio esquisito toma conta de uma cabeça repleta de pensamentos acelerados. Falta alguma coisa. O arrumar a cama é obrigatório. Mesmo morando só, não consigo deixá-la desarrumada. Marmita pronta enrolada em alvo pano, fruta para meio da manhã. Hoje é dia de coleta de lixo. Guardo o meu comigo para só entregá-lo à porta nos dias certos. Algazarra matinal da passarada. Chego à janela do quarto, beija-flor vem me ver bem de pertinho, quase pousando em minha mão. Não, não é licença poética nem invenção, veio em assobio de asa e bom dia me deu.

Desço a escada pesado. Falta algo. Paro apoiado no corrimão, olho do alto a sala vazia de movimento, nem vento. Suspiro, dou de ombros.

No abrir a porta, quem vejo. “Meu” gato! Um miado alegre a me receber. Afago com força seu dorso, seu pescoço. Murmuro injúrias carinhosas ao seu ouvido. Ele ronrona alegre. Trançando entre minhas pernas me acompanha até a rua, onde deposito o lixo no lugar de lixo.

Sigo para o trabalho e ele, o gato, fica sobre namoradeira da varanda a me seguir com amarelos olhos.
Estará lá quando voltar? Nunca saberei. Gatos são livres, viva a liberdade.






Em Jornal Correio 1º de Maio 2016 - Dia do trabalho e de folga

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