segunda-feira, maio 30

Vida mágica



Além de meio loucos, ou loucos e meio, nós humanos temos por jeito achar sempre que somos figuras perfeitas, criadas à imagem e semelhança do Senhor (Gênesis 1:27), mesmo sabendo que ninguém tem a menor ideia de como Ele é de fato. Claro, tem um monte de figuras que garantem que o viram em delírios e passam a se sentir abençoados e especiais. Assim, logo criam uma igreja.

Se você já leu o Livro Sagrado, seja o velho ou o novo testamento, vai ver que Ele se deixa mostrar de várias formas, apresentando-se ora como pomba, ora como anjo ou uma sarça (uma espécie de Acácia) ardente (Êxodo 3:1-5).

Sou da paz e não estou aqui para discutir fé e religião. Observador apenas. Se não abusaram das metáforas, o mundo hoje deveria ser povoado por florestas de acácias, ardendo em chamas sem queimar, por revoadas de pombas que não teriam onde pousar, pois nas sarças o fogo não deixaria. Se povoado por anjos fosse, seria a chatice de sempre: nuvenzinhas, liras, carinhas barrocas de piedade. Nem valeria a pena.

Falar da existência ou não do Criador é chover no molhado. Deixa para quem gosta e se diz entendido. Fico a pensar mesmo é nos “poderes mágicos” que nos conferimos. Cada um de nós, em algum momento, se sentiu dono do destino. Pense bem. Já aconteceu com você de desejar que alguém se desse muito mal, que um avião caísse na cabeça de fulano ou algo parecido e no outro dia essa pessoa bate o carro, vai para o hospital ou enfarta? Se falar que não, tu é santo. Pronto, se você é um grande mau caráter vem satisfação pelo ocorrido. Não sendo, bate uma sensação de culpa, como se seu pensamento tivesse sido a causa daquela tragédia.

E o tal do “se eu não fizer isso vai acontecer aquilo”, geralmente, com alguém que gostamos. Já se pegou quase a dormir tendo um pressentimento e, mesmo pingando de sono, procura madeira para bater três vezes, pois caso contrário, a tragédia se concretiza?

Somos assim, poderosos criativos em culpa constante. Vivemos um inferno dantesco por conta de superstições e bobagens criadas por nós mesmos. Só levanto da cama se ver passarinho passar voando no quadro de céu emoldurado pela minha janela. Se assim não fizer, meio dia será um caos. Belas prisões limitantes criamos para nós mesmos.

Mas sem elas, vamos pensar em que mesmo? Na inflação galopante? Nas contas que não paguei? Na violência das ruas? Na miséria e dor das guerras? No desamor? Não, isso tudo é muito real e está ali nos esperando. É real demais para nosso gosto.

Supersticioso? Eu? Nunca! Mas me deem licença. Deixem eu correr a acender vela preta e branca, dar seis voltas de costas na mesa da sala, subir e descer a escada cantando Salve Rainha, pois se assim não o fizer meu Galo perde o jogo que está para começar.

Fecho com João, o Guimarães Rosa: “Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possí­vel, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vaivém, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar, é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois, no fim, dá certo.”
No mais, Gerais.






Jornal Correio 29 de maio de 2016

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