segunda-feira, julho 4

Cometa




Foto  Comet  Lovejoy :  Sky and telescope

Valdelândio, por todos nomeado Vau, era sonhador incorrigível. Vau, por facilidade no chamar, já que seu nome de batismo era difícil de pronunciar, principalmente depois de noitada no boteco da vila. Vau ficou. Não era de raso de córrego, de água nas canelas, nem sujeito pouco profundo. Nas ideias e nas gentilezas era cabra de muito conteúdo, muita história, vivência. Quando pegava a contar, até mosquito se aquietava a ouvir, desprotegido, das taruíras que perdiam fome e instinto, e paravam a balançar cabeça escutando. Pois me conte, se lagartixa é dita surda? Ali elas conseguiam ouvir e bem escutado.
Dava conselho para criança e gente erada, sabia.

Tanto sabia e não guardava nada, generoso que só. Vau um sonhador sem limites. Gostava de uma caninha de engenho, pelo sabor conhecia até variedade da cana. Cana Rosa, Fita, Bambu, Carangola, Cabocla, Preta e sabe-se lá qual mais. Porém gostava mesmo era de aguardente produzida da cana caiana, planta nobre das antigas. Costumava contar: Cana de setembro gosto não, pinga aguada sem sabor, a de novembro começa a mostrar espírito, alma, mas ainda não convence. Já as plantas de dezembro, chegam carregadas de sumo doce, prontas para festança de fim de ano. Estas sim dão bebida boa. Pois olhe e apure, nem o garapão dessa tem azedume malcheiroso daquele tanto.

Mesmo com discurso conhecedor, não provia desfeita a ninguém e se, em visita, toca-se pinga de indústria, não se fazia rogado. Bebia com gosto e ainda elogiava. Homem bom esse Vau. Inimigo não tinha, mas amigos de fato. Poucos, mas bons. Conhecidos? de manada.

Trabalhava o suficiente para tocar vida, não tinha de posse um passarinho para dar água, mas os tinha aos bandos em quintal de sua pequena tapera. Tanta árvore de fruta e sombra tinha plantado que havia pelo chão só folha a enriquecer e alimentar minhocas e caramujos. Grama ali nascia não.

Vau tinha cisma única de como seria o outro lado, como seria a volta, o morrer. Não entendia a graça nisso. Essa coisa de céu e inferno ele nem de longe acreditava, pois até o padre de cabeça lhe tinha tirado isso. Era que nem bicho-papão para moleque miúdo. Era para assustar, aprumar comportamento. O mistério era maior.

Ideia o seguia. Era só deitar a olhar estrelas e vinha a preocupação. Teria lá uma pinguinha boa para abrir apetite? Tinha que ter, ah isso tinha! Os bons e justos iam misturar com os desalmados trapaceiros, fazedores de coisa ruim? Tinha que ter um lugar apartado, senão ia ser um aranzé. O que não se desentendeu aqui ia sobrar só para a eternidade em algum canto do universo? Então era o inferno! Padre balançava cabeça num desisto.

Foi nada não. Dia desse, passando olhos em revista, leu manchete: “Cientistas descobrem que o cometa libera álcool etílico e açúcar”. Deu de interessar. Ficou sabendo que tinham descoberto um cometa que atendia por Lovejoy e que ele estava “soltando uma quantidade de álcool relativa a de 500 garrafas de vinho por segundo durante sua atividade de pico”.

Relaxou. Pronto, agora sabia até quando iria dessa para outra. Seria na passagem do alegre cometa etílico. Levantou sorrindo felicidade, bateu o chapéu na perna, olhou com gosto noite estrelada. Tomou caminho do boteco cantarolando: “Pegar carona nessa cauda de cometa…”







2 comentários:

Adriana Vieira Bastos disse...

Simplesmente delicioso. Pinga não faz muito o meu gosto, mas iria adorar ficar proseando com Val. Vau do que mesmo? rs Parabéns, rapaz.

william h stutz disse...

Dri
Seria Val, mas dá um trabalho pronunciar... aí virou Vau