segunda-feira, julho 16

Obra







Reclamaram no grupo do condomínio de um cocô. Isto mesmo. Algum cachorro apertado, sem tempo de chegar em casa, teve que, no sufoco, fazer suas necessidades mais básicas frente a casa estranha. Ele não queria, mas não deu. Quem não passou por isso? As tripas roncam em aviso. Passa um pouco começam a dar piruetas como quem diz: Gente, gente, o trem tá ficando feio! Segura-se, a suar frio.
Os roncos crescem, as cólicas aparecem. Não dá mais pra segurar. Gente humana por fina que seja, pudica moça, dama ou moço príncipe, realeza ou plebe, ateu ou fanático religioso, já passou por isso. Pode-se evitar falar sobre. Vergonha boba, mas que passou, passou.

Com os animais, se é gato, aguenta até muito. Até achar areal ou terra vermelha, educadamente enterra o feito. Passarinho não quer nem saber, empoleira, levanta o rabinho e poff na cabeça de alguém ou no carro recém lavado. Não quer nem saber. Ele é que está certo. Pecado não é.
Cachorro de apartamento também aprende a segurar até não poder mais. Parece ser educado.
Agora, lá pelas bandas do condomínio, todos que tem cão são suspeitos, pois basta andar com cachorro na coleira que os olhares se cruzam desconfiados. Criou-se um clima.

O clamor era para que o dono da caca fosse lá limpar. Como bicho não lê WhatsApp, suspeito que o recado foi para o dono do feito. Até foto da obra em vários ângulos foi postada. Quem fez que venha limpar! Em tom de mando mesmo. Vale a pena se irritar por tão pouco?
Depois da segunda, terceira, quarta postagem do excremento em poses e ângulos diferentes - deve ter sido a merda mais fotografada no mundo - deu vontade de ir lá e eu mesmo, infelizmente não tendo cachorro - recolher o pobre montinho, só para ver a paz voltar a reinar nessa micro comunidade.

Acho que já contei sobre lindo gato que me adotou e foi ameaçado por ser manso e entrar na casa dos outros sem pedir licença, de tão tranquilo e bobo que era. Por receio de que maldade fosse feita o levei para uma amiga especial, onde vive feliz da vida e em segurança.
Contei da absurda poda que fizeram em uma linda goiabeira e em um limoeiro belíssimo e carregado, sem critério ou conhecimento algum da arte da jardinagem, parecendo aquelas que estão sendo feitas em nossas árvores nas ruas, mutilando-as.
Contei também sobre o abestado arrancar de linda trepadeira que protegia churrasqueira de inclemente sol, substituindo-a por meia dúzia de podocarpus raquíticos, que talvez no seu lento crescer, consigam em 20 anos, se bem cuidados, lançar tímida sombra nos calcanhares das pessoas que lá ficarem.

E assim vai. Tem história para mais de metro. Pode-se imaginar um convívio harmônico e gentil com alguns poucos. E olhe que, como disse, o lugar é micro. Então já somos poucos e sobram menos.
Viver em comunidade é um exercício de paciência e tolerância.
Em pequenos aglomerados de casas coladas é mais complicado ainda. Portas e janelas sempre fechadas e raros são os cumprimentos. Às vezes me sinto morando em alguma metrópole do leste europeu, dada a frieza da maioria. Duas ruas e raramente vejo alguém da de lá. Coisa de cinema. Pode acreditar. Confirmando a regra lá moram algumas poucas dadas a um sorriso e gentilezas, poucas mas felizmente lá moram, amenizando o fardo e o jeito paulistano, de ser.

Claro que em breve deixaremos o lugar questão de tempo.
Ainda não reclamaram dos canarinhos, pássaros-pretos e tantas outras espécies de aves que criamos à solta, por conta de ceva de quirera em nossa porta, bem como das belas plantas que cultivamos e que lançam especial frescor na nossa casinha. Ah, e tem o gato de rua, o Chaninho, nome este, confesso, pouco criativo, que vem apenas para comer e dormir o dia todo em nosso sofá e à noite cai na capoeira. Sente segurança. Nossa porta mineiramente sempre aberta a receber, causa estranhamento nos outros moradores.
Tirando estas partes boas e de alguns poucos, não sentiremos saudades de nada do lugar.

Dizem alguns que a vida é uma merda. Digo eu que não, não é mesmo. A vida é maravilhosa. Dádiva divina. Merda é o que alguns fazem dela, transformado paraíso em inferno, por conta de um cocôzinho na grama ou um jeito esquisito de conviver.






Publicado em Diário de Uberlândia em 15 de julho de 2018

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