O campo de futebol era interessante, grande que só, parecia maior do que os oficiais dos estádios ou "arenas", como está na moda agora. Aqui tenho de fazer uma pausa na prosa para um assunto que me intriga. Algo que me deixa fora do sério e confuso é essa mania de imitar os outros nas coisas mais bestas do mundo. Não sei quem inventou essa história de trocar estádio por arena, mas como nosso futebol anda tão ruim e violento posso até aceitar e acrescento, ao invés de jogadores, que se tornem gladiadores. Arena lhes cabe bem.
Outra babaquice, agora no basquete, foi a criação da denominação NBB, "Novo Basquete Brasil", numa imitação grotesca , alusão à toda poderosa NBA norte americana, National Basketball Association . Tenha a santa paciência! O que tem de "novo"? Vai ser novo até quando? Daqui a vinte anos ainda será essa bobagem de "novo"? Falta de criatividade e amor próprio puro e simples. Copia-se o que é bom, não essas trenheiras bestas. Até juiz virou árbitro! Bom, esse tem a ver com nossa conversa.
Na realidade a "arena" era um piquete sem uso. Terreno ondulado, possuía um murundu bem no meio do campo, fazendo com que de uma trave não se pudesse ver a outra. Os goleiros sempre tinham sensação de solidão em certos momentos do jogo, mas quando vinha ataque adversário parecia coisa de filme: se via primeiro as cabeças dos jogadores e só depois é que seus troncos apareciam e, em desenfreada, vinham morro abaixo para encher o pé na bola de capotão G18. Para os que só conhecem as bolas oficiais da FIFA, a letra G é de gomos de couro e o número 18 era quantidade deles. Os tais gomos, formavam a bola. Rara e cara por aquelas bandas.
Atrás de um dos gols havia uma mata fechada, bruta. Sucupiras, aroeiras, perobas-rosa robustas, pura madeira de lei, compunham a mata. Na beirada, mamas-cadelas carregadas de frutos e crianças, abrigavam casas de João-de-barro, passarada sempre irritada em dias de clássico.
Beirando um dos lados do campo havia um pasto de vacas nelore, recém paridas. Tudo bicho bravo a proteger cria.
Quando o chute saía torto e a bola rumava para a mata ou pasto, era um Deus nos acuda. Entre as árvores, além de cobras, corria boato de onça em tocaia, atraída pela algazarra. Ficava, diziam, encolhida em galho grosso a observar na escuridão das sombras a chance de levar um almoço fácil. Criança entrava lá nem!
Se não para lá e fosse bola para o pasto das vacas paridas, aí não tinha bicho escondido não, mais temidas do que as prováveis onças da mata, as brutas estavam todas relando a barriga no colonião, com suas crias no pé. E quem é que entra? Onça era mais mansa do que aquelas montanhas de músculos, prontas a defender prole com toda e descomunal força que lhes foi outorgada pela natureza.
Eram horas para decidir quem ia buscar a bola. Houve jogo cancelado, por conta de bola perdida. A regra estipulada era que o time que isolasse a bola assim, tinha que comprar outra por conta e trazer no domingo seguinte para encerrar a partida e, como disse, eram raras e caras. Mas fazer o quê?
Sorte é que quase sempre aparecia um moleque mais atrevido que arrastava barriga entre o pasto, furtivamente, evitando o olhar nervoso das zelosas mães e conseguia recuperar a dita. Se bem que, vez ou outra, o jeito era correr feito doido e se cortar todo na cerca, em pulo para fugir de pisoado de vaca enfurecida. Ganhava picolé e refrigerante como recompensa e virava alvo dos olhos gulosos das meninas moças de toda região.
Do outro lado ficavam as "arquibancadas". Bancos de tábua colocados em fileira ao longo de todo o gramado. Contudo, a maioria trazia seu banquinho ou assistia como as crianças, empoleirados em árvores. Mangueiras centenárias, que forneciam frondosa e fresca sombra. O comércio de churrasquinhos, cervejas, pinga e de tudo quanto há era farto e o povo ia com força. Era a única diversão de quem por lá morava ou vinha acompanhando outro time. Briga? Sempre, mas nada que uns bons tiros de Flober para o alto não apaziguasse.
Naquele domingo acontecia a grande final do campeonato. O Roção como era conhecido. Jogo do time da casa contra outro da zona rural de município vizinho. O jogo corria frouxo. Alguns de botina, outros descalços, pois estes não se davam com calçado algum para jogar. Alguns privilegiados, que haviam juntado dinheiro, exibiam vistosas e coloridas chuteiras. Os jogos de camisa eram bonitos. Presentes de fazendeiros ou de comerciantes das regiões de origem dos times. Pareciam aqueles de Fórmula 1 de tanta propaganda de patrocinadores que carregavam.
Perto de acabar e zero a zero no placar. Foi quando um do time local deu um chute de efeito do campo de defesa. A bola apareceu do nada por sobre o morrote do meio de campo e, pegando o goleiro de surpresa, foi morrer no fundo da rede! A torcida explodiu de alegria. Mas qual, o apito do juiz se fez trinar e ele não apontou o meio de campo, anulando o gol.
─ Não, não, estava em posição irregular!
O capitão do time, homem calmo de fala mansa e educada ponderou:
─ Olha sêo juiz, não quero ensinar o pai nosso para o vigário, mas não tem impedimento se a bola foi lançada do nosso campo.
Não adiantou nada.
─ Quem manda aqui sou eu, gol anulado!
Apesar das vaias e irritação da plateia, o jogo seguiu.
Quase no finalzinho do tempo regulamentar, escanteio para o time da casa. Bola batida com perfeição, direto na cabeça do zagueiro e rolou mansa rede adentro. GOOOOLLLLLLL, levantou a moçada.
Novamente apito anulando o gol legítimo.
Novamente o educado capitão se aproximou do juiz, cabeça baixa, mãos para trás em sinal de respeito. Cochichou.
─ Sêo juiz, a regra reza que não existe impedimento em cobrança de escanteio. Longe de mim querer colocar ameaça, mas olha a nossa torcida, está enfezada e o senhor conhece o sistema aqui. Tem umas duzentas pessoas ali. Com o senhor apitando errado desse jeito, eu não vou dar conta de segurar esse povo não. Não me responsabilizo pela vossa segurança!
O juiz com cara de bravo, olhou aquele povão que espumava de ódio e revolta, desmanchou o semblante, caminhou para o meio do campo e chamou os capitães dos times.
Com cara séria, mas meio pálida, declarou solenemente:
─ É o seguinte, sabe esses dois gols que eu anulei? Pois é, analisei bem. Agora estão valendo! Festa geral. O time local levou a faixa do Roção 2018.
E não havia o tal árbitro de vídeo. Já pensou?
Obrigado Mestre!
Publicado em Diário de Uberlândia em 05 de agosto de 2018
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