Outro dia vazio de vontade de sair e ver gente. Sem nada absolutamente para fazer, comecei a avaliar minhas opções. Faxinar a casa? Ah não, outra vez não! Serviço de casa não tem fim, pois tudo que fizer hoje, logo e rápido vem repetição. Como dono de casa sei bem disso e entendo perfeitamente os motivos que levam as(os) donas(os) de casa profissionais a surtarem, depois de pouco tempo de rotina chata e sem criatividade. A repetição leva à perfeição, dizem alguns. Quando se trata de afazeres domésticos acho que cabe mais: a repetição leva à piração.
Dispensei a faxina e literalmente deixei de pensar nela. Fica para outro dia. Ler um bom livro, taí uma ideia. Passei o olhar pela estante, corri o dedo entre meus companheiros. Não, sem essa de ler! Hoje iria dar muito trabalho. Cabeça preguiçosa, já sabia o que aconteceria. Iria ler a mesma página duas, três vezes e lá na frente teria que voltar, pois a sensação de ter perdido alguma coisa ficaria me atazanando. Deixa pra lá, os livros não iriam fugir mesmo! Bom, aí não posso afirmar com tanta certeza, pois tenho observado fatos estranhos em minha estante. Na quietança da noite, lá bem de madrugada, não foi uma, nem duas vezes, que percebo um burburinho, um conversar em cochicho, lá pelas bandas da estante. Tenho comigo que os livros trocam ideias entre si em momentos assim. Ponho atenção, mas pesco poucas palavras. Não consegui flagrar esse alegre convescote literário, porém suspeito do cardápio.
O que sei é que nas manhãs que precedem tais encontros tudo fica fora do lugar. A maioria dos livros já não está onde os coloquei e muitos se encontram espalhados pelo chão, dando a entender que o porre foi homérico. Não raro, às vezes encontro páginas rasgadas ou amassadas. Alguma desavença de conteúdo?
Enfim, resolvi deixar meus livros em paz.
Fazer o quê? Do nada, num silêncio próprio dele, o gato entra sem pedir licença, a miar um nãooo, nãooooo, comprido e sempre em negativa.
Bicho de rua nos adotou, aparentemente por puro interesse. Como o gato anterior que também me adotou e que foi ameaçado por ser manso, esse é tal e qual, só que mais arisco. Por ser um bicho erado sabe bem distinguir quem lhe gosta e foge das gentes de má índole. É um ótimo juiz da malvadeza humana.
Já comeu hoje gato? Responde um sonoro nãoooooo.
Coloco a ração com um bom sache de peixe misturado. Ele come feito onça que um dia sonhou ser. Depois, sem a mínima cerimônia, refastela-se no sofá e dorme o sono dos justos. Protegido do perigo e ameaças é só paz. Quando a noite pega a cair, boceja feito leão, que também sonhou ser, dá uma pandilhada daquelas que começam no focinho e em ondas chegam à pontinha do rabo. Deixa um nãoooooo para trás e desaparece entre moitas e sombras, Agora, só amanhã.
Gato tratado, horta cuidada, fui buscar companhia das piores: televisão.
Até que o tempo pedia, já que um friozinho se fazia sentir e o sol com sono, não estava mais com jeito de bons amigos.
Assim, me aventurei pela televisão. O cara que inventou o controle remoto merecia um Nobel. Aparelhinho bem mais importante do que muita coisa inventada. Não trocaria um controle remoto por uma batedeira de bolo, uma faca elétrica, ou por um Sputnik novinho.
Pronto, acomodado entre almofadas e controle na mão ponho-me a buscar.
Doido, mas com tanto canal não acho nada que prenda minha atenção. Vai daqui, vai dali, dei com um filme super trash: O Tubarão de duas cabeças. Tem coisa melhor, ou pior, para não pensar em nada? Ali me deixei ficar. Era a semana do tubarão.
História a mesma e, se não me engano, nos três filmes que vi um atrás do outro, os atores também são os mesmos. Em cada um dos filmes eles são destroçados, mastigados e jogados para o alto. As cabeças brigando cada uma por um pedaço. Muda o filme e lá está a mocinha do biquíni, o moço forte e heroico, além de figurantes que obviamente só aparecem para serem comidos pelo bicéfalo peixão. Muito sangue na água, muita gritaria. Cenas que poderiam ser gravadas em fundo de quintal ou garagem. Contudo, no estado em que me encontrava, só não encarava novela mexicana ou turca, pois aí é para acabar com os pequis de Goiás.
Perco-me em tempo com essas produções estranhas. Penso no sufoco por falta de dinheiro dos caras que se propõem a fazer essas bobagens.
Curto os defeitos pouco especiais que, de tão ruins, parecem gozação. Além disso, nesses filmes os bichos assuntam menos do que o Pikachu ou os Teletubbies.
Quanto pouco dinheiro desperdiçado para produção de besteira.
Bom, aguentei dois ou três rounds e vi que o melhor era sair de casa, encontrar amigos e jogar conversa fora. Pena que as conversas hoje só giram em torno de futebol ou política polarizada. Não sei o que soa mais trash.
De qualquer maneira, peguei a programação da série. Caso alguém se sinta vazio, vá lá.
Sharknado, Tubarões de Areia, Avalanche de Tubarões, Tubarão Fantasma, Tubarão Zumbi e, o mais "original" em título, Jurassic Shark. Deixa o Spielberg saber da brincadeira sonora que copiaram de seu "Park".
Em tempo, anunciaram um novo "sucesso" para a semana:
O tubarão de quatro cabeças. Perco por nada!
Publicada em Diário de Uberlândia em 19 de agosto de 2018
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