quarta-feira, outubro 31

Lazinho





Com o passar do tempo fica difícil guardar multidão de pensares e lembranças. Dia desses contei do labirinto de prateleiras com gavetas, pilhas e pilhas de recordações amarradas com finíssimos cordões de passado que, a qualquer momento, podem se romper em derrame de imagens, situações e vivências que habitam nossas cabeças. Pois então. Hora ou outra carecemos de um empurrão para o passado, para pescar no mar de dias aqueles que nos atropelaram com um lampejo escondido.

Numa prosa com o amigo Marcelo, que é garçom por profissão portanto grande andarilho da noite e que possui invejável capacidade de estocar acontecidos, alguns nós foram desatando, gavetas se abrindo.

Não conseguia esconder o sentimento de orgulho desse amigo, a puxar de sua prodigiosa memória detalhes vivenciados que, na minha cabeça, foram rebrotando como em pasto seco e judiado, após receber boa e pesada chuva. Uma benção ver as tanajuras e cupins alados em alvoroço, como flashes a te conduzir por prazerosos caminhos, lá longe no passado.

Claro que como garçom, me levou em sua narrativa a passeio por antigos bares da cidade, desde as particularidades de cada “copo sujo” aos frequentados por gente mais abonada e esnobe da cidade.

Passamos por praças onde ainda se podia sentar e ficar de prosa a noite toda, sem ser importunado por polícia e muito menos por ladrão. Não é mentir, nem licença poética de escritor não. Só quem viveu pode confirmar.

Já correu de ganso na Praça Tubal Vilela? Não!? Pois nós corremos e muito, ao cruzar a praça a trote para não perder o Transcol, que nos levaria ao Campus Umuarama para aula de histologia cedinho, às sete horas em ponto, no anfiteatro do Bloco A, ao lado da anatomia humana. Calouros de Veterinária, Medicina e Odontologia, todos juntos. O mestre? O professor Gladstone. Isto mesmo. Este que atualmente é nosso secretário de saúde.

Mas, os gansos nos forçavam marcha. Pense. Qual seria o destino de belos gansos soltos na Tubal Vilela hoje? Quanto tempo você acha que lá ficariam? Uma, duas, talvez três horas? Certo, fui otimista.

Passamos pelo Sobrado, seguimos para o Frango Assado. Em conversa mansa cruzamos a porta do DAGEMP. Nele, basicamente só havia homens e, como todo bom sábado de estudante, quase todos bebuns. Na praça outra vez, um pastel na Paulistana com guaraná mineiro de garafinha de vidro. De lá os mais abastados enchiam as mesas do Garibaldi's ou "já ó" por apelido. O motivo? Na falta de fazer e cantar de galo, era só moça bonita passar pela calçada e lá vinha um em mentiras: "Viu aquela ali? Pois já ó!" E fazia gesto com mão passando pelos lábios.

Memória é como braseiro. Fica assim fingindo de apagada sob fina camada de cinzas, mas basta um sopro e alguns gravetos para que possa novamente arder em chamas e voltar a aquecer.

Tomamos um escaldado no Porta Aberta ali na Rio Branco depois um pulo no Bar do Tarcisio todo pintado de um azul cinza - barra pesada.

Seguimos prosa até o Bar do Bené, lá na Fernando Vilela. E já que estávamos no Martins, uma gelada no Carne Assada e pega rumo para visitamos algumas "casas de tolerância", vizinhas ao Parque de Exposições. Pô, quer nome mais babaca e preconceituoso para se dar a uma zona? Tolerância! Que maquiagem mal feita.
Ali sim apesar de cara, a cerveja mais gelada da cidade.

Mas, baixemos os ânimos. Pois bem, sei que se estiver a ler esta prosa neste domingo, sua cabeça vai estar mesmo é no resultado das eleições. As mais doidas que minha curta vida de eleitor para presidente me ofereceu. A sorte está lançada. Que se salve ao menos a Democracia, a pedra mais cara e preciosa que temos.

Minha conversa com Marcelo tinha que parar no estabelecimento mais pitoresco de todos à época. Este merece destaque, por ser um tratado. O Bar do Lazinho, lá na Afonso Pena com Santos Dumont. Quem lembra levante a mão - antiquado isso não é – então, como nas horrorosas conferências online de venda de qualquer coisa, quem por passou solte dai uma alva de "claps" ( que tristeza...)

Enfim conheceu o Bar do Lazinho? Segue um pouco de alguma coisa para relaxar o tenso domingo eleitoral. Então se lembre do slogan: "Lazinho não faz propaganda" . O estreito e miúdo bar tinha duas mesas. A mesa 1 e a mesa 250, isso ela nunca explicou para ninguém. Porém, a marca registrada do Lazinho era um cartaz bem escrito e anexado à parede com os preços do moca

Cafezinho 10,00
Cheirinho 10,00
Um tiquinho 10,00
Fundinho 10,00
Ainda havia aqueles que trabalhavam com bom humor e felizes.
Seria muito nostálgico um fundo respirar e dizer: Bons tempos?

Bom domingo, bom voto.








Publicado em Diário de Uberlândia em 28 de outubro de 2018

terça-feira, outubro 23

São Tomé



Depois do milagre da ressurreição da torta de camarão em certo hiper mercado, resolvi ficar mais atento. Nada pelo visto é o que parece ser, pelo menos para os lados do consumidor. Guardo essa história para um novo contar.

Me veio então uma ideia no mínimo dantesca, que à primeira vista me pareceu inefável: resolvi medir rolo de papel higiênico. Será que aqueles alvos e macios rolos teriam mesmo os tantos metros indicados na embalagem? É que nós, simples mortais, dados à consumição, andamos tão enganados que fica difícil acreditar no "vale o que está escrito". Na zoo contravenção do barão de Drummond afirmam que sim, sei lá eu.

A ideia, a principio maluca, carecia de bases científicas e testemunhais para ter valor real. Pensei em filmar o experimento e depois colocar no Youtube, junto com o gato comendo carne no açougue. Desisti. Como na internet quase tudo também não é o que é, assim como as pessoas não são o que ou quem dizem ser, logo alguém no meio da multidão virtual dará um grito: — Mais uma pulha! Um fake, farsa total!

Pensei então em criar uma comissão de alto nível (um perigo falar alto nível ou notáveis hoje, generais podem não gostar). Uma banca especializada. Mas onde encontrar doutores, PhDs em medir ph? Como os experts, além de raros, são de difícil lida, fiquei imaginando o longo e inútil debate acadêmico que estaria fomentando. Questões do tipo se o picotado do papel deveria entrar na medição ou se deveria ser descontado paquimetricamente (de paquímetro e não paquiderme),do resultado final.

Como quase tudo no mundo dos muito especializados, da academia, exceções à parte é óbvio, a discussão duraria uma eternidade, demandaria pesquisa pura e altos financiamentos em projetos, bolsas e simpósios, e cá para nós, no fim, jamais se chegaria a uma conclusão e ainda ficariam criadas duas escolas, duas linhas de pensamento filosófico contemporâneo, em medir o quê? Papel higiênico. Achei melhor não envolver os "notáveis" em minhas pendências existenciais.

Então, em surto de lucidez, me dei conta de que já contamos com órgãos e instituições próprias para isso. Criadas para nos proteger, defender a população e seu bolso contra o descaso e desrespeito. Foquei na instituição maior, aquela federal.

Mas só de pensar na papelada que teria de preencher, nas justificativas que teria que apresentar, me deu tristeza, larguei para lá. Pensei no Procon. Mas também mudei de idéia. Pelo que acompanho, sei bem da competência daquele órgão. Sei que fazem das tripas coração com o pequeno número de agentes de seu quadro, portanto seria uma falta de consideração da minha parte solicitar ao respeitado e atuante órgão destacar um servidor para auditar medição de papel higiênico. Não seria justo nem de bom alvitre.

Me veio à baila história do moço cujo carro furou o pneu em estrada da roça e que estava sem macaco. Resolveu andar até fazenda próxima para pedir emprestado. Com pouco dinheiro no bolso, durante o percurso sofismava. Se pôs a imaginar quanto o dono da fazenda iria lhe cobrar pelo uso do equipamento. À medida que se aproximava, a quantia imaginária subiu tanto, mas tanto que, depois de bater à porta, já descarregou sua raiva em atônico e sonolento senhor que mal havia destravado a tramela: — Sabe o que você faz com esse seu macaco!?
Andamos ficando com raiva antes da hora.

Querem saber, mudei de ideia, vou mesmo é contar palito de fósforos e de dentes.Quero ter absoluta certeza de que as caixinhas contém o que prometem. Pago para ver.






Publicado em  Diário de Uberlândia em 21 de outubro de 2019

quinta-feira, outubro 18

Tenho sede - Reminiscências





Em passeio no tempo encontro "espantosa manchete" : E não é que acharam cem litros de água na lua? Espantoso. Porém, enquanto lá no cosmo, sem alarde, ruído ou consulta prévia a poetas e dragões, sonda espacial recheada de caríssima tecnologia se espatifava em solo lunar, para desalento de trovadores e afins, na busca de poça d’água, aqui embaixo, mais de um bilhão de pessoas passam sede ou não têm acesso a água potável.
No Brasil cerca de 600 mil pessoas estão sedentas, sofrendo a quase total escassez do precioso líquido, isso só no sertão do Piauí.

Um artigo publicado no “L’Osservatore Romano”, tempos atrás, trazia em manchete "A sede mata filhos da África”: “Na África, morre uma criança a cada quinze segundos, porque não tem acesso à água potável", rugia o diário da Santa Sé.

No ano passado uma ONG belga e a Cruz Vermelha conseguiram arrecadar 3,3 milhões de euros e ainda ganhar dois Leões de ouro, um de prata e um Titanium Intregated em Cannes com campanha usando o mesmo clamor do jornal católico.
Produziram um filme dramático, "Thirsty Black Boy". Não viu? Ainda há tempo, pois está no Youtube onde pode ser encontrado sob o título "Black Boy Wanting Water".

O filme parte do constatado fato de que todo apresentador de televisão aparece sempre com um copo d`água ao seu lado. Durante vários dias o misterioso vídeo, que não estava ainda assinado, mostrava um garoto negro invadindo rapidamente e sem cerimônia, ao vivo, estúdios de emissoras de TV de todo o país. Agarrava e bebia vorazmente aqueles copos e, sem dizer palavra, saia correndo. Os entrevistados, que não sabiam de nada, olhavam atônitos e visivelmente nervosos a ação do garoto, apenas observam-no.

Pois bem, esta louvável e muito bem produzida criação arrecadou como já disse 3.3 milhões de euros para combater ou amenizar o sofrimento dos filhos da África.
Muito mais tem que ser feito. Ações isoladas ajudam, mas não resolvem. Não basta ver ou ler sobre campos de refugiados em Gaza, na Cisjordânia ou, voltando ao continente africano, onde está o maior campo de refugiados do mundo, em Daddab no Quênia, onde segundo a ONU se amontoam 270 mil almas. E a cada quinze segundos, se vai uma criança, de sede.

Criticar acúmulo de riquezas da Santa Madre Igreja ou os exorbitantes milhões de dólares gastos com mais esta expedição da NASA para encontrar água em nossa vizinha celeste é, me perdoem o sarcasmo, chover no molhado. O mundo também tem sede de ações globais e permanentes.
Recursos existem, só precisam ser aplicados nos lugares certos ao tempo e à hora. Quanto dá isso em segundos?

Um pouco de bom senso e verdadeiro amor ao próximo seriam suficientes para, se não acabar, pelo menos começar de fato a resolver o problema de tantos espalhados pelo mundo. O foco deve estar errado, é como tentar resolver o problema do outro sem ter arrumado a própria casa.

Bordão eu sei, mas nós só temos um planeta terra, um único e solitário lar em meio a bilhões de outras terras inatingíveis, pelo menos por enquanto. Não varrer calçada com mangueira, escovar os dentes com a torneira fechada e segundo sugestão recente, até fazer xixi no chuveiro durante o banho.

Um bom começo, pois a se continuar como está não teremos apenas uma África sedenta, mas em breve um planeta inteiro, seco, rajado em pó/poeira, e só. Mas na lua encontraram cem inacessíveis litros de água e aqui, a cada quinze segundos, morre uma criança, de sede.








Publicado em Diário de de Uberlândia em 14 de outubro de 2018


terça-feira, outubro 9

Gente das leis






Conhece profissão mais ardilosa do que a de advogado? Quando o cara é bom, é bom mesmo e não tem aperto em situação alguma. O interessante é que não apenas em defesa de alguma causa, ele leva sua esperteza e poder de convencimento para sua vida, seu cotidiano na prosa mais simples com os amigos, nas calorosas discussões sobre qualquer assunto, política ou futebol.

Claro que há alguns que são um desastre, mas toda profissão os tem. Convivo muito com advogados, em suas mais diversas especialidades do Direito, tais como os mais tradicionais do Direito Civil, Comercial, Direito do consumidor, Direito tributário, Direito trabalhista, Previdenciário e Penal. Há também alguns bem à frente no tempo do que a maioria, que se embrenharam por novas áreas como o Direito virtual, eletrônico e o Biodireito. Este é louquíssimo e deve ser fantástico, pois tenta responder a perguntas tipo "Até que ponto devem ser utilizados recursos médicos e tecnológicos para o prolongamento da vida? Os transgênicos são realmente uma ameaça ao homem?"( Fonte: "Advogado"; Editora: Publifolha).
Ia me esquecendo: Com a dinheirama que rola não só pelos gramados, mas por todas as quadras e tabuleiros, aparece o Direito desportivo, um verdadeiro e intrincado jogo.
Ai de mim se não cito a fonte. O Direito autoral devora meu fígado.

Além dessas áreas fazem parte de meu círculo de relações, Juízes, Promotores e Defensores. Tenho na família que muito amo.
Admiro a profissão e pensei um dia em cursá-la, depois de formado em Medicina Veterinária. Porém, ficou só no querer, como muita coisa em minha vida. Muitos projetos e vontades. Estou tentando resgatar algumas antes impensáveis. Mas, o assunto aqui não sou eu, com minhas querências e pesares, são os advogados.
Ricos em histórias, muitas divertidas, outras nem tanto, em nossas longas prosas me municiam com material raro. Faço uso com a devida vênia dessa matéria prima recontando-as.

Já contei a história do bêbado que atormentou um delegado em pequena vila. Reconto o final para aqueles que já leram ou para aqueles que não. No bar, em pleno fim de semana, esse nosso amigo delegado resolveu tomar uma cerveja na única venda da currutela. Um senhor já de idade, totalmente embriagado, pegou a mangar do delegado: ─ O senhor pode me prender que eu saio, mas se eu prender o senhor sai não.
Paciencioso foi deixando. O velho ria que ria, com aquele olhar pastoso de todo bêbado (conhece algum que não o possui?).
Na tentativa de encerrar a conversa o Delegado falou firme ─ Mas afinal quem é o senhor que me prende e eu não saio!?
─ O Coveiro doutor, o coveiro. E destampou a rir que só. Foi o dia da caça, mas até o advogado delegado riu daquele tanto e trouxe a história.
Entretanto, deixaram outra que não poderia levar só comigo.

Vinha um advogado pela MS 240, beiraninho Porto Alencastro, quando do nada, em uma ligeira curva, viu um tatu prancheado no asfalto. Buscou acostamento e pegou o pobre bicho num morre não morre. Despejou água de sua garrafa companheira na cabeça do pequeno. Era um tatu galinha e esse logo virou o focinho e sorveu com sede de andarilho o litro todo.
Preocupado, colocou o bicho dentro carro e seguiu rumo. Pelo retrovisor observava que ele foi melhorando, ficando esperto daquele tanto. Foi nada não, alguns quilômetros a frente deu com bloqueio da polícia rodoviária que, lógico, o mandou parar.
─ Boa tarde senhor. Seus documentos.
─ Pois não, aí estão. Sua cabeça estava a mil por conta do bicho e do suposto crime ambiental cometido.
O policial ao contornar o carro viu o danado a pular no banco traseiro e endureceu.
─ E esse tatu? Sabe que é crime inafiançável carregar tais animais? Por favor, desça do carro.
O advogado desceu com um posso explicar já pronto. O guarda foi direto:
─ Conte a história. Se me convencer eu te libero.
─ É o seguinte seu guarda, tenho esse tatu há muito tempo e ele é até treinado.
─ Tá de sacanagem comigo?
─ Não, é verdade. É o seguinte, eu solto o bicho, ele vai longe e ai eu assobio, ele vem direto para minha mão.
─ Conversa! Isso não existe.
─ É a mais pura e sagrada verdade!
─ Bom, vamos fazer o seguinte, me prove e se for verdade te deixo ir. Combinado?
O Dr. advogado mansamente abriu a porta traseira do carro. O tatu vendo a liberdade guardou na capoeira que nem um risco, levantando poeira e embrenhou-se na mata fechada atrás de uma cerca de arame liso.
─ Muito bem, agora assobia para o tatu voltar.
O advogado, fazendo cara de paisagem, abriu os braços se fazendo de desentendido:
─ Você tá doido? Que tatu?








Publicado em Diário de Uberlândia em 07 de outubro de 2018

segunda-feira, outubro 1

Famosos




Há quem pense que a vida de famosos seja fácil. Glamour, festas de segunda a segunda. Flashes, sempre cercados de gente bonita e sorrisos. Portas sempre abertas. Vai nessa! Pense cá comigo, sinta-se no lugar e imagine que é de você que estou a falar. Me dê algumas palavras e depois conte.

Cai o pano, fecham-se as cortinas, a plateia volta para casa, o teatro fica vazio, som de passos miúdos se agigantam dentro de imenso espaço. Ouve-se agora apenas o barulho de vassouras e rodos. Nos botecos, quando nos querem para fora, aquela última mesa que fica e vai ficando, garçons já sem uniformes, levantam as cadeiras e jogam água no chão, repleto de espuma de detergente. No teatro é diferente. Após o espetáculo, o zum zum zum na coxia, comentários sobre peça/show, marcação, público. Não jogam água para expulsar os tranquilos artistas. Apagam as luzes.

Resta pálida luzinha que leva aos camarins. Aí a vida volta a ser. O personagem é desmontado devagar para não se ferir. Maquiagens, perucas, roupas. Ali, jogado em cadeiras, cabides, araras, vai ficando o sonho, o imaginário, parte da alma.
A casca sai, mas a criação sai junto. Leva tempo para se desfazer. Talvez solidão e vazio possam ser os únicos companheiros naquele instante. Tira-se a máscara, veste-se um sorriso.

Lá fora ainda se ouve sons de fãs à espera de ficar bem perto ou tocar o artista. Quem sabe uma foto, talvez uma "selfie"? Mas, se é "selfie", não pode ter outra pessoa. Vá lá, deixe de ser chato, literal demais! Pronto, uma selfie em grupo ou um sozinho com muitos. Talvez ali se expresse com força sentimento de isolamento. Rompe-se salão adentro, novamente luzes, flores, brindes, beijinhos à distância, apertos de mãos. Entrevistas aborrecidas. O cansaço escondido atrás de ar de satisfação. Afinal, é atriz e sabe atuar. Jantares sonolentos, amanhã o dia começa cedo. Dormir será pouco. O corpo doendo, a cabeça a mil. Contas a pagar. Será que o borderô foi legal essa noite? Bom, a casa estava cheia. Pensamentos entrecortados por brindes, mastigares, movimento de pratos. A comida sem gosto certo. O que foi que pediram mesmo? Dez vozes a responder e explicar o prato. Finge que entende. Come sem prazer. Um banho e uma cama é tudo que deseja.

O diretor ainda se perde em detalhes do espetáculo de amanhã. Alguns se deixam encantados. Se alguém se atrever a me cantar vai ter barraco, pensa com aquele sorriso plástico ainda preso no rosto. Sente pequena câimbra no canto do lábio. Percebe que começa a tremer. Aproveita o gole de vinho para relaxar os músculos da face.

Então você quer glamour de estrela? Se prepare, pois talvez seu trabalho anônimo em algum canto de escritório seja mais tranquilo e recompensador. Já pensou que pode se dar ao luxo de comemorar a chegada de um fim de semana? E se houver feriado na segunda ou na sexta? Alegria dobrada. Pense na paz de espírito de ter apenas um chefe sacana. Ele também tem seus podres e você os conhece. Se apertar o assédio moral ou qualquer outro, você o expõe. Simples assim. Atriz/ator não pode, mas deveria. E o sossego de não ser reconhecida nas ruas, sem multidões a lhe pedir autógrafos e posses? Quer fechar a cara? Que feche. Ninguém vai te censurar. Não será vigiada por espiãs/espiões, por bando de paparazzis, que jamais te darão trégua, escondidos em bancos traseiros de carros, latas de lixo ou na copa das árvores. Ah! Se for em Uberlândia, não se preocupe, pois as árvores não tem copas e geralmente possuem pouquíssimos galhos, já que foram mutiladas por quem as deveria proteger.

Um amigo contou história de certa cantora "sertaneja universitária", em turnê aqui no cerrado. Fã lhe pediu quase chorando que ela autografasse seu chapéu de peão urbano. Assim ela fez. Escreveu romântica: "Com amor e um beijo”. Graciosa D’alho (nome artístico fictício para não contar a santa, só o milagre).

O cara olhou a dedicatória e completou:
─ Pode por meu nome aí?
─ Claro querido, como se chama?
─ Washington da Silva - respondeu estufando o peito.
Nossa Graciosa fez que ia começar a escrever, parou, pensou e percebeu que não iria dar conta. Arrematou brejeira:
─Tem apelido não?
─ Claro! Fica melhor assim. Mais íntimo né? Bota aí me tratam por Schumacher! Lascou de vez

Viu só? Acha que é mole? Agradeça todo dia a vida aparentemente normal que tem sô!








Publicado Jornal Diário de Uberlândia em 30 de setembro de 2018