Com o passar do tempo fica difícil guardar multidão de pensares e lembranças. Dia desses contei do labirinto de prateleiras com gavetas, pilhas e pilhas de recordações amarradas com finíssimos cordões de passado que, a qualquer momento, podem se romper em derrame de imagens, situações e vivências que habitam nossas cabeças. Pois então. Hora ou outra carecemos de um empurrão para o passado, para pescar no mar de dias aqueles que nos atropelaram com um lampejo escondido.
Numa prosa com o amigo Marcelo, que é garçom por profissão portanto grande andarilho da noite e que possui invejável capacidade de estocar acontecidos, alguns nós foram desatando, gavetas se abrindo.
Não conseguia esconder o sentimento de orgulho desse amigo, a puxar de sua prodigiosa memória detalhes vivenciados que, na minha cabeça, foram rebrotando como em pasto seco e judiado, após receber boa e pesada chuva. Uma benção ver as tanajuras e cupins alados em alvoroço, como flashes a te conduzir por prazerosos caminhos, lá longe no passado.
Claro que como garçom, me levou em sua narrativa a passeio por antigos bares da cidade, desde as particularidades de cada “copo sujo” aos frequentados por gente mais abonada e esnobe da cidade.
Passamos por praças onde ainda se podia sentar e ficar de prosa a noite toda, sem ser importunado por polícia e muito menos por ladrão. Não é mentir, nem licença poética de escritor não. Só quem viveu pode confirmar.
Já correu de ganso na Praça Tubal Vilela? Não!? Pois nós corremos e muito, ao cruzar a praça a trote para não perder o Transcol, que nos levaria ao Campus Umuarama para aula de histologia cedinho, às sete horas em ponto, no anfiteatro do Bloco A, ao lado da anatomia humana. Calouros de Veterinária, Medicina e Odontologia, todos juntos. O mestre? O professor Gladstone. Isto mesmo. Este que atualmente é nosso secretário de saúde.
Mas, os gansos nos forçavam marcha. Pense. Qual seria o destino de belos gansos soltos na Tubal Vilela hoje? Quanto tempo você acha que lá ficariam? Uma, duas, talvez três horas? Certo, fui otimista.
Passamos pelo Sobrado, seguimos para o Frango Assado. Em conversa mansa cruzamos a porta do DAGEMP. Nele, basicamente só havia homens e, como todo bom sábado de estudante, quase todos bebuns. Na praça outra vez, um pastel na Paulistana com guaraná mineiro de garafinha de vidro. De lá os mais abastados enchiam as mesas do Garibaldi's ou "já ó" por apelido. O motivo? Na falta de fazer e cantar de galo, era só moça bonita passar pela calçada e lá vinha um em mentiras: "Viu aquela ali? Pois já ó!" E fazia gesto com mão passando pelos lábios.
Memória é como braseiro. Fica assim fingindo de apagada sob fina camada de cinzas, mas basta um sopro e alguns gravetos para que possa novamente arder em chamas e voltar a aquecer.
Tomamos um escaldado no Porta Aberta ali na Rio Branco depois um pulo no Bar do Tarcisio todo pintado de um azul cinza - barra pesada.
Seguimos prosa até o Bar do Bené, lá na Fernando Vilela. E já que estávamos no Martins, uma gelada no Carne Assada e pega rumo para visitamos algumas "casas de tolerância", vizinhas ao Parque de Exposições. Pô, quer nome mais babaca e preconceituoso para se dar a uma zona? Tolerância! Que maquiagem mal feita.
Ali sim apesar de cara, a cerveja mais gelada da cidade.
Mas, baixemos os ânimos. Pois bem, sei que se estiver a ler esta prosa neste domingo, sua cabeça vai estar mesmo é no resultado das eleições. As mais doidas que minha curta vida de eleitor para presidente me ofereceu. A sorte está lançada. Que se salve ao menos a Democracia, a pedra mais cara e preciosa que temos.
Minha conversa com Marcelo tinha que parar no estabelecimento mais pitoresco de todos à época. Este merece destaque, por ser um tratado. O Bar do Lazinho, lá na Afonso Pena com Santos Dumont. Quem lembra levante a mão - antiquado isso não é – então, como nas horrorosas conferências online de venda de qualquer coisa, quem por passou solte dai uma alva de "claps" ( que tristeza...)
Enfim conheceu o Bar do Lazinho? Segue um pouco de alguma coisa para relaxar o tenso domingo eleitoral. Então se lembre do slogan: "Lazinho não faz propaganda" . O estreito e miúdo bar tinha duas mesas. A mesa 1 e a mesa 250, isso ela nunca explicou para ninguém. Porém, a marca registrada do Lazinho era um cartaz bem escrito e anexado à parede com os preços do moca
Cafezinho 10,00
Cheirinho 10,00
Um tiquinho 10,00
Fundinho 10,00
Ainda havia aqueles que trabalhavam com bom humor e felizes.
Seria muito nostálgico um fundo respirar e dizer: Bons tempos?
Bom domingo, bom voto.
Publicado em Diário de Uberlândia em 28 de outubro de 2018