segunda-feira, outubro 1

Famosos




Há quem pense que a vida de famosos seja fácil. Glamour, festas de segunda a segunda. Flashes, sempre cercados de gente bonita e sorrisos. Portas sempre abertas. Vai nessa! Pense cá comigo, sinta-se no lugar e imagine que é de você que estou a falar. Me dê algumas palavras e depois conte.

Cai o pano, fecham-se as cortinas, a plateia volta para casa, o teatro fica vazio, som de passos miúdos se agigantam dentro de imenso espaço. Ouve-se agora apenas o barulho de vassouras e rodos. Nos botecos, quando nos querem para fora, aquela última mesa que fica e vai ficando, garçons já sem uniformes, levantam as cadeiras e jogam água no chão, repleto de espuma de detergente. No teatro é diferente. Após o espetáculo, o zum zum zum na coxia, comentários sobre peça/show, marcação, público. Não jogam água para expulsar os tranquilos artistas. Apagam as luzes.

Resta pálida luzinha que leva aos camarins. Aí a vida volta a ser. O personagem é desmontado devagar para não se ferir. Maquiagens, perucas, roupas. Ali, jogado em cadeiras, cabides, araras, vai ficando o sonho, o imaginário, parte da alma.
A casca sai, mas a criação sai junto. Leva tempo para se desfazer. Talvez solidão e vazio possam ser os únicos companheiros naquele instante. Tira-se a máscara, veste-se um sorriso.

Lá fora ainda se ouve sons de fãs à espera de ficar bem perto ou tocar o artista. Quem sabe uma foto, talvez uma "selfie"? Mas, se é "selfie", não pode ter outra pessoa. Vá lá, deixe de ser chato, literal demais! Pronto, uma selfie em grupo ou um sozinho com muitos. Talvez ali se expresse com força sentimento de isolamento. Rompe-se salão adentro, novamente luzes, flores, brindes, beijinhos à distância, apertos de mãos. Entrevistas aborrecidas. O cansaço escondido atrás de ar de satisfação. Afinal, é atriz e sabe atuar. Jantares sonolentos, amanhã o dia começa cedo. Dormir será pouco. O corpo doendo, a cabeça a mil. Contas a pagar. Será que o borderô foi legal essa noite? Bom, a casa estava cheia. Pensamentos entrecortados por brindes, mastigares, movimento de pratos. A comida sem gosto certo. O que foi que pediram mesmo? Dez vozes a responder e explicar o prato. Finge que entende. Come sem prazer. Um banho e uma cama é tudo que deseja.

O diretor ainda se perde em detalhes do espetáculo de amanhã. Alguns se deixam encantados. Se alguém se atrever a me cantar vai ter barraco, pensa com aquele sorriso plástico ainda preso no rosto. Sente pequena câimbra no canto do lábio. Percebe que começa a tremer. Aproveita o gole de vinho para relaxar os músculos da face.

Então você quer glamour de estrela? Se prepare, pois talvez seu trabalho anônimo em algum canto de escritório seja mais tranquilo e recompensador. Já pensou que pode se dar ao luxo de comemorar a chegada de um fim de semana? E se houver feriado na segunda ou na sexta? Alegria dobrada. Pense na paz de espírito de ter apenas um chefe sacana. Ele também tem seus podres e você os conhece. Se apertar o assédio moral ou qualquer outro, você o expõe. Simples assim. Atriz/ator não pode, mas deveria. E o sossego de não ser reconhecida nas ruas, sem multidões a lhe pedir autógrafos e posses? Quer fechar a cara? Que feche. Ninguém vai te censurar. Não será vigiada por espiãs/espiões, por bando de paparazzis, que jamais te darão trégua, escondidos em bancos traseiros de carros, latas de lixo ou na copa das árvores. Ah! Se for em Uberlândia, não se preocupe, pois as árvores não tem copas e geralmente possuem pouquíssimos galhos, já que foram mutiladas por quem as deveria proteger.

Um amigo contou história de certa cantora "sertaneja universitária", em turnê aqui no cerrado. Fã lhe pediu quase chorando que ela autografasse seu chapéu de peão urbano. Assim ela fez. Escreveu romântica: "Com amor e um beijo”. Graciosa D’alho (nome artístico fictício para não contar a santa, só o milagre).

O cara olhou a dedicatória e completou:
─ Pode por meu nome aí?
─ Claro querido, como se chama?
─ Washington da Silva - respondeu estufando o peito.
Nossa Graciosa fez que ia começar a escrever, parou, pensou e percebeu que não iria dar conta. Arrematou brejeira:
─Tem apelido não?
─ Claro! Fica melhor assim. Mais íntimo né? Bota aí me tratam por Schumacher! Lascou de vez

Viu só? Acha que é mole? Agradeça todo dia a vida aparentemente normal que tem sô!








Publicado Jornal Diário de Uberlândia em 30 de setembro de 2018

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