Amanheceu segunda. Entre mortos e feridos se salvaram todos. Não, nem todos. Nunca em minha vida assisti a um embate tão duro entre duas correntes de pensamento. O nível das discussões foi tão baixo, que embrulhava o estômago. A raiva, o ódio e o rancor afloravam frente a qualquer comentário, por mais insignificante que fosse. Parecia pessoal. Havia uma permanente patrulha ideológica a espreitar redes sociais, prontas a apontar dedos e tecer ofensas, caso o digitado não dissesse exatamente o que um lado ou outro queria ouvir.
Catarse coletiva! Incompreendida, mas geral. Foi como se a porteira fosse aberta e a boiada inteira, imensa, em transe, sem saber ao certo o rumo, se lançasse em disparada diante de algo reprimido, indecifrável.
Não, não se salvaram todos. Amizades antigas desfeitas, agressões inúteis e toscas. A democracia pode ter sobrevivido ao pleito, mas seria o que que queríamos? Adversários se transformaram em inimigos mortais. Faltou razão, sobrou sectarismo e ódio. Faltou educação e respeito. Nunca, repito, vi tanto ódio oculto, profundo e represado, se lançar com tamanho vigor contra as rochas da razão e do bom senso, a ponto de romper as paredes "opressoras" de cada mente.
O vencer aqui ficou em segundo plano. A guerra, o digladiar tornou-se o esporte nacional.
Agora que tudo acabou, rezemos para que as patrulhas se desfaçam e que não surjam milícias nem de um lado, nem de outro. Que a normalidade democrática reine e permita que um país chamado Brasil passe a existir de fato. Que o respeito à nossa Constituição seja pleno e o sonho para o futuro seja possível.
Famílias e pedaços se recomponham, amigos voltem a brindar à vida e à felicidade de viver.
Aqueles que se sentem vitoriosos, que zelem para que esta vitória seja plena de paz e caminhe cadenciadamente e em harmonia. E aqueles que perderam, não se sintam derrotados, mas parte do processo mais belo de um país livre.
Que as discussões doravante sejam civilizadas e no campo das ideias, calcadas na razão.
Defender o que se acredita é saudável e meritório. Saber como defender é mais importante ainda.
Chega de divisão, chega de agressões e vinganças pessoais. O futuro de um país inteiro depende dessa luz para não correr risco de mergulhar em escuridão, pouco vista na história da humanidade, mas que, quando em trevas esteve, pagou preço incalculável pela aventura e desfaçatez de insanos. A História contempla esses momentos de horror e trevas.
Acreditemos, pois nossa pátria mãe gentil não pode e não deve passar por aventuras e correr riscos. Somos grandes, somos frágeis. O gigante se fere com um simples espinho de rosa. União! É hora de baixar a guarda e juntos caminharmos pacificamente rumo a um futuro que pode ser auspicioso ou fúnebre. Depende de nós, sempre de nós.
Não quero jamais concordar com Nelson Rodrigues quando disse:
"Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos."
Olhar à frente, um futuro nos espera. Vamos provar que o ácido gênio de nossa dramaturgia, autor de O Beijo no Asfalto, A Mulher sem Pecado e A Falecida, pode e estava errado.
Paz eu peço, paz eu espero. Ligue para o amigo com quem você rompeu, beije a mulher que pensou diferente. O primeiro passo para o fim é a divisão. Um pequeno tratado escrito no século IV a.C. já alertava guerreiro.
Nem Sun Tzu, nem Nelson Rodrigues. O futuro nos aguarda. Fazê-lo sólido depende apenas de nós. Afinal, não existem derrotados ou vitoriosos quando a nau navega a todos.
Viva a Democracia!
Publicado em Jornal Correio em 4 de novembro em 2018
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