terça-feira, fevereiro 19

Longevidade




Acho que todos querem viver mais do que merecem ou estão fadados a isto. A história da morte anda me rondando há muito. Ando a perder para o tempo amigos queridos. O ciclo da vida é assim. Imponente, não existe forma de fazer a roda parar.

Nesta fase involuntária de pouco fazer, de não ser produtivo para a comunidade na qual estou inserido, acaba sobrando muito tempo para o pensar, ler e claro, rabiscar o produto embruscado de meu refletir. Na toada que vou, entre livros, jornais e discos (leia-se Spotify), crio minhas listas de ouvir misturando tatu com cobra. Emendo o Overture da ópera Tommy, do The Who, com um Chico Buarque, Caetano, Elis, Milton, The Dave Brubeck Quartet ou com a trilha sonora de Morte em Veneza, adaptação genial da novela de Thomas Mann. Esta, tendo à frente ninguém menos do que um dos grandes mestres da sétima arte, Luchino Visconti.

A trilha sonora tinha que ser Gustav Mahler. Não falo mais. Sei que é pedir muito às pessoas que leiam um pouco mais, que "percam" seu tempo com filmes de qualidade, deixando de lado o encantamento pelo 3D que, em minha humilde opinião, é diversão de criança, de parque de diversões, sem poesia arte zero.

Imagine você que começou nas redes sociais, com o ICQ, Orkut, ou voltando ainda mais no tempo, os bate-papos via DOS. Tela negra, letras verdes e cursor piscando à frente da última letra digitada, eram o máximo em tecnologia. Eu e meu 386 viajamos muito mundo afora. Hoje, dizem, é terra abandonada, por onde trafegam livremente hackers e crackers.

Bom, o Orkut com todos seus recursos, lapidando o modo de contatar gente foi breve. Explodiu o Facebook, porém demanda escrever muito. As abreviações foram sendo inventadas e criou-se uma linguagem própria, mas ainda assim cansativa. Escrever cansa não é? Foi então que um gênio resolveu o assunto, reduzindo o mundo a 140 caracteres. Nasceu o Twitter e com ele o microblogging. A maioria dos humanos se satisfez com ele. De celebridades a presidentes bons e maus.

Mas você acredita que tem gente que se desgasta e apresenta enxaquecas horríveis para criar frases com tão pouco? Pois saiba que tem sim e, com o novo modelo de escola que se pretende, vai aumentar mais ainda. Adeus haicais com seus três versos e métrica de 4-7-5 silabas.
Aí, como um passe de mágica, nasceu o Instagram. Nada de escrever. Apenas fotos. Dirão alguns: "mas uma palavra vale mais do que mil palavras". Se você sabe viajar nas imagens eu concordo. Porém, cá pra nós, esse tanto de caras e bocas, beicinhos. bundinhas arrebitadas e olhares lânguidos forçados não contam muita história não.

Voltando à vaca fria. Entremeando todas essas redes sociais estão os famigerados anúncios de todas as espécies. Com eles os programadores têm a cara de pau de colocar posts patrocinados como se fossem recomendados por amigos. Tenha a santa paciência! Aí começa o desespero.
Uns dizem que quem bebe muito café tem grandes chances de passar dos cem anos, outros trocam o café pela cerveja. Transformam bananas, feijão preto e algas marinhas em um caminho triunfal dos centenários. Cara, até o ovo, considerado perigoso por muitos para a saúde, está na lista dos alimentos milagrosos para uma vida longa.

Contam uma história, não sei se é totalmente verdadeira, mas que dá o que pensar. Ah, isso dá! Dizem que os Estados Unidos obtiveram certa feita uma supersafra de espinafre. O governo havia fomentado o plantio da erva. Sim, espinafre é uma erva rasteira. Não tirem conclusões apressadas, por favor, esqueçam as goiabas.

Resumo da opereta: tinham que vender a produção, se não quebrava todo mundo. Espertos, entraram com campanha publicitária gigante e assim nasceu o Marinheiro Popeye. A criançada caiu matando. Nos conta a Redação de Mundo Estranho que, " na década de 30, a verdura conquistou a criançada americana e seu consumo cresceu 33% nos Estados Unidos."

Será que está sobrando ovo nas granjas? Há banha de porco estocada? Pois agora tudo condenado agora faz um bem danado. Antes matava. Será que existe alguma jogada comercial nos prometendo os cem anos por puro interesse econômico? As teorias da conspiração, sempre elas.
Agora cá pra nós, no sério. Quantos realmente querem chegar aos cem? Tá, se for com cabeça e corpo numa boa, independente, produtivo, até eu quero. Mas só para virar estatística mórbida da previdência e ser acusado de quebrar o país por viver mais, quero não! Um século é tempo para danar. Dá para fazer bom uso dele sem chegar tão longe.

Uma coisa é importante, só não podemos desperdiçar tempo, pois este, meus caros, se vai em lampejo!

Carpe diem.






Publicado em Diário de Uberlândia em  27 de Janeiro de 2019

quarta-feira, fevereiro 13

Sem pé nem cabeça






Tem dias que nem o cotidiano te mostra caminho de contar. Tudo parece igual, nada digno de nota ou de por atenção. Imagino que são dias assim que determinam o vazio do existir. Claro que tudo está em movimento ao seu redor. Os céus com seus aviões de carreira a cruzarem um azul de beleza inconteste, alguns soltando aqueles riscos de gelo, que sempre pensei ser fumaça. Mas não, é gelo mesmo. E pensar que enquanto aqui estamos assando como frango em vitrine, lá, onde o rastro se mostra, a temperatura tem obrigatoriamente de estar por volta dos trinta e cinco negativos. Atenção, atenção urgente! Inutilidade pública:

"O vapor d´água que sai de suas turbinas congela na hora, transformando-se em cristais de gelo suspensos na atmosfera. Isso, porém, não acontece sob qualquer circunstância. O ar precisa estar a uma temperatura de pelo menos 35ºC negativos, ou seja: o avião tem que voar a pelo menos 10 quilômetros de altura, se estiver nas regiões equatorial ou temperada, ou a 5 quilômetros, nas de clima mais frio. Além disso, a umidade relativa do ar deve estar em torno de 65%."
Fonte: Super Interessante / Redação Mundo Estranho, publicado em 18 abril 2011.

Pois não viu? Dias assim nos voltamos para a cultura inútil, mas que pode terminar em caloroso (fala mais de calor não...) debate em mesa de boteco, sobre a resposta final a questão tão perturbadora de como é formado aquele rasto deixado por aviões no céu. Como pode alguém viver e nunca saber disso?
Emocionante não é? Ainda bem que a terra não é plana como querem alguns. Já pensou que manobra estranha o tal avião com seu rabo de gelo teria que fazer para chegar ao Japão, debaixo da pizza Terra?
Caraca! Olha só, o castigo imposto por Zeus a Atlas, o mitológico titã, seria o de entregador de pizza e não de sustentar os céus para sempre. "Desceu a estrada subiu na vida" ao contrário.

Tem dias que nem o cotidiano te mostra caminho de contar. Sinto que foi em dia assim que o grande Monteiro Lobato concebeu sua obra Reforma da Natureza. Muito ócio e um olhar para dentro, onde ocorrem os absurdos em que tudo é possível. Preenche o momentâneo despejado existencial.
Se dê ao direito a loucura do pensar. Terra plana, dragões dóceis. Fadas a pirilampear casa adentro. E, ufa, ainda bem que hoje, mas só hoje, a terra é o centro do universo. Somos muito importantes para girar entorno de algum astro. Ou vai querer discutir com Aristóteles e Ptolemeu?
Tapem bem os ouvidos. Galileu Galilei e Copérnico são hoje um fake day. Fadas e elfos, amigos imaginários? Coisa alguma, tenho uns tantos. Li outro dia: "Tenho um monte de gente os quais jurava amigos."

Hoje nesse brincar com palavras e escrever abobrinhas busco recompor de, como disse, um vazio que anda a me perseguir.
Na verdade me pego em diálogo ligeiro entre Calvin e Harold, do genial cartunista Bill Watterson:
— O seu problema Harold, é que você nunca tem o que dizer.
— Isso é muito útil para preservar certas amizades.
Isso aí gente, tem dias que de noite é assim.
Cá em meus devaneios, só me preocupo em receber uma jaca na cabeça ao invés de inofensiva jabuticaba.






Publicado em Diário de Uberlândia em 10 de fevereiro de 2019

segunda-feira, fevereiro 4

Até breve


No assustar de uma manhã recebo a notícia da perda de mais um amigo. Se outro dia ainda trocávamos alfinetadas inofensivas, coisas de futebol e política sem a menor importância, mas que aproximam as pessoas pelo menos no brincar, num repente recebo telefonema de um compadre que mora em São Paulo para compartilhar o susto e o medo de amanhã aqui nesse plano já não mais estar.

Não meu amigo, minha amiga, não é nem de longe medo da morte! Essa é nossa por direito. E o dia em que nosso CPF for para alguém, ou algo lá no alto, ou lá embaixo puxar, não há quem segure. O medo é de não poder mais compartilhar de um mundo tão louco, tão confuso, mas dependendo de quem e do quanto é maravilhoso de se viver. "Morrer deve ser tão frio".

Talvez por isso criamos as religiões, para nós eximirmos da culpa da morte como destino inelutável. Alguns querem ser eternos. Nós somos eternos em nossos atos, em nossos filhos, nas árvores que plantamos, nas luas que admiramos, nas canções que cantamos, no amor a todo ser vivente que compartilhamos e, principalmente, no mal que não fazemos.

Um céu como prêmio ou um inferno como castigo, sinto muito, não dá para engolir. Somos pura energia e ai sim, quando energia que se finda nos juntamos a bilhões e bilhões de outras fontes de luz, somos feito de pó das estrelas como assim um dia disse Carl Sagan e, quando o corpo físico para seja de "susto, bala ou vício" voltamos para nossa verdadeira casa, as próprias estrelas. Sorte nossa que acreditamos no Grande Arquiteto do Universo e sua infinita criação, sem castigo ou prêmio, apenas o puro e calmo amor.

Não apenas nós, mas todo ser vivente, do mais escondido Peripatus do alto dos seus meros 1,5 cm de comprimento, ou a mais primitiva das criaturas como a velha Lampreia, ou o erado pinheiro a “árvore Matusalém” e seus 4.800 anos tem sua hora de voltar ao lar definitivo: o universo. Ilimitada fonte de energia.
Perdemos mais um amigo, bonachão, irreverente, teimoso, criador de casos, mas sempre generoso e dentro daquele imenso corpo físico uma alma do bem. Tudo defesa, tudo timidez, da teimosia à falsa arrogância. Claro, felizmente nunca foi unanimidade. E quem de nós o é? Esse misto de dor e alegria é que nós faz diferentes, alguns como nós nascemos para ironizar e debochar do establishment. Se assim não for nos algemam e nos tornamos criaturas rastejantes em lama criminosa como a de Mariana e agora de Brumadinho.

Engessados ficamos e não criamos, não contribuímos nem mesmo forma miúda para a construção de um ser humano melhor, mais caridoso, mais criativo. Nos deixem livres e voaremos ao ponto mais alto - a primeira das condições do pássaro solitário no contar de San Juan de la Cruz.

Neste particular, eu e meu querido amigo de poucos encontros físicos, mas frequentes em redes sociais, nos parecemos. Difícil colocar peia e bridão em gente como a gente. Ele mais no grito, eu mineiramente mais calado. Ambos observadores e espectadores atentos. Sentamos na mesma arquibancada ou na geral da vida. Vou sentir falta de nossas relias, nossas discordâncias em milhões de aspectos, da nossa amizade.

Lembro de você dentro de um fusca de uma rádio fazendo reportagens ao vivo! Era você e outro repórter quase do seu tamanho, a memória me fez tropeçar, não lembro o nome do cujo, era muito engraçado ver vocês tentarem entrar e sair do fusquinha. Não tinha entrevista por mais séria que fosse que não me dava acesso de riso e você ficava uma onça! Putz, foram tantas entrevistas, não foram? O tempo passou apressado e agora se achou no direito de te levar de volta ao céu. Pelo tamanho e energia, uma supernova vai explodir em intenso brilho em algum canto da imensidão.

Leva brilho aí para as galáxias, desequilibra as leis cósmicas, hora nos encontramos. Vai cara, vai bagunçar a calma do céu careta! Até um dia meu grande em todos sentidos amigo Alaor Barbosa Jr.

Não me canso de ver a sua caricatura feita pelo mestre Ziraldo e a dedicatória bem dele mesmo, sua cara, seu jeito.

Alá la ôr ô ô ô ô ô !!! Alá la ôr ô ô ô ô ô !!!






Publicado em Jornal Diário de Uberlândia em 03 de fevereiro de2019