terça-feira, junho 11

O trecho - outra parte



Volto às luzes. Movimento rápido outra vez, sem ser brusco voltava a sumir para agora brilhar no meio do pasto. Riscava um oito imenso e com rastro no alto céu e sumia, agora só amanhã. Hora era uma sozinha, hora eram muitas. Ficavam perto, muitas ficavam longe muito longe lá no contorno do vale. Luz de carro dizia uns – mas como se lá nem estrada tinha, nem atalho, e até hoje não tem.

Uma feita eu mais Vilson Gato – nome de batismo mesmo Gato, não era por assim chamado apelido não – coisa de Padre Dázio? Ninguém afirma – resolvemos correr atrás delas.

Brincou conosco, corremos mais de quilómetro e ela arteira na frente. Sumiu outra vez, zombeteira, já estava lá junto de Bia, e ela não via, só Vilson e eu cá de longe.

Carece sei eu de falar mais da aparência das luzes, difícil contar. Um diamante com luz dentro. Pronto descrevi, era assim. Ou quase, tem coisa sem jeito de contar, palavras faltam, estão aqui as lembranças não saem recontadas – difícil.
Tento: acende luz dentro do puro cristal, vai ver o que víamos toda noite no céu, na estrada, no pasto no mato – um brilho sem calor – suave e vivo. Era assim. Maravilhoso.

Gente estudada por lá esteve observando, vieram da capital. Aparelhamentos e muito observar. Ficaram uma semana – a luz só deu o ar da graça duas vezes – e rapidinho, acho que não gostou da cátedra – os professores se foram frustrados mas crédulos pois viram e filmaram, não contaram mais nada para nós da vila. Arrogância de doutor de papel, só, conhecedor nada da vida das gentes. Levou muito, nada, as luzes ficaram nossas.

Um dia, nem te conto, mas tenho que contar. Era um sábado – tarde da noite para nossa vila já dormindo. Fomos buscar a companhia mágica de nossas luzes. Nossas sim, todo mundo via, conhecia, mas não punham o reparo merecedor. Acostumaram e pronto – as luzes? Ah as luzes, sei estão lá fim de prosa, virou cerca, virou cobra, virou árvore, mas novidade não, nem te ligo. Perdeu o encanto para os quase todos.
Seguimos a acompanhar o bailado de luz por hora ou pouco. Depois nos colocamos a ir – surpresa – uma acompanhou o batido. Seguiu de longe. Entrou na vila desconfiada. Passou rente a farmácia fechada a anos, desceu a rua. Cruzou a outra rua. Na esquina o bar do Jorginho japonês, meia dúzia com as cabeças presas no dominó. Não adiantou gritar por nome, ninguém olhava.

Cruzou conosco, a meio trote a frente da escola e da igreja, à esquerda desceu rumo ao campo onde o circo ficava. A direita no fim do campo, a esquerda no corredor de gado onde morávamos. Não seguiu mais. Parou no moirão da cerca. Brilhava-brilhava. Descemos até o portão – e ela lá a vigiar. Não sabemos até quando ali ficou. Sentimos estranha proteção.

Por muito passar de tempo com as luzes compartilhamos. Segredos e mágica. Mudamos para cidade, as luzes, minhas luzes, as luzes de São Sebastião do Pontal. Se continuam lá não sei. Talvez falte platéia, talvez falte companhia. Hora vou lá de visita. Depois conto. O trecho ainda é longo, tem muita história, acabou não.





Diário de Uberlândia

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