sexta-feira, janeiro 26

Resposta a Danuza Leão


e amigas do coração
(a rima não foi proposital, juro)


(em resposta a artigo Prazeres Femininos
Revista Cláudia/ Edição de agosto/2006.)



Perigosa generalização, Dona Danuza Leão e algumas especiais amigas.
Nem todos os homens são assim como descritos, aliás acho sinceramente que a proporção de machos que assumem, dividem papéis domésticos aumenta a cada dia. Puxando a brasa para minha sardinha, ou o contrário, sardinha para minha brasa — fatores alterados mas o produto é o mesmo, garanto.

Em minha casa, tivemos uma secretária, ajudante ou empregada — qual é o jeito politicamente correto de chamá-la? Caraca, é empregada mesmo, sem menosprezo ou diminuir o ser humano ali dentro e seu dignificante trabalho.

Confidente e solidária, era a paciência em pessoa, sempre sorrindo, nunca a vi de mau humor, essa era ela. “De confiança” — como costumam, grotescamente quase sempre, serem classificadas as domésticas por seus patrões em conversas de salão ou butique. Em tempo: nada contra salões e butiques, as conversas sim essas me arrepiam. Tive uma namorada alguns séculos atrás dona de luxuoso e famoso salão de beleza, sei bem do que estou falando, pois era lá que cortava cabelo, era de graça e carinhosamente bem cortado. Mas sem devaneios, de volta ao assunto em pauta.

Retomando: tivemos uma empregada que ficou conosco por longos 11 anos — uma graça de pessoa, saiu para casar — e esse marido a proibiu de trabalhar: olha eles aí para confirmar a regra ou a exceção?

Todas as outras tentativas de substituir aquela pérola foram frustrantes. Só arrumamos malas sem alça, daquelas que faltavam sem avisar quando você mais precisava, inventavam mil doenças e apareciam com atestados com CIDs (Código Internacional de Doenças) absurdos. Matavam parentes geralmente numa sexta ou segunda feira. Houve casos da mesma tia morrer três vezes em dois meses. Haja! Algumas chegaram a ficar mais da metade de seu tempo de trabalho a receber pelo INSS por “doenças temporariamente incapacitantes”.

Por essas e outras tomamos decisão decidida, e como caras pintadas do lar em passeata de protesto pela sala e quintal e depois de assembléia familiar, radicalizamos o movimento.

Empregada nunca mais! Bradamos portando cartazes alusivos ao fim da dependência e à liberdade de andar como quisermos em nossa própria casa. Libertas quae sera tamen. Fizemos até camisetas e panfletos para distribuir entre nós quatro. No começo, é claro, passamos por crises homéricas de abstinência, ataques de preguiça e de “ah não outra vez!?”. Mas como tudo na vida, passa — nova e original expressão essa não é mesmo? A angústia da falta, o velório do ócio também se foi — admito, temos recaídas até hoje, mas cada vez menos freqüentes, e a nicotina escravagista aos poucos vai sendo eliminada de nossos corpos e mentes, herança essa que esperamos não seja transmitida geneticamente aos nossos descendentes.
Aos poucos os sintomas da química e visceral dependência de empregada foram passando, os tremores diminuindo, e nova rotina se instalou.
Hoje as atividades domésticas estão devidamente equacionadas, como temos flexibilidade de horários de trabalho, um faz almoço outro faxina casa, ambos cuidam das louças e panelas e dos jardins. Quando o assunto é roupa aqui tem um problema, lavo todos os tipos de peças cama, mesa, banho e roupas de uso da família toda, mas passar não dou conta, fracasso total, talvez o passar roupa para mim seja como apêndice dos humanos, um resquício evolutivo, que não serve para nada a não ser para infeccionar e levar a uma urgência médica. Eureca! É isso o passar roupa é a minha herança evolutiva da cultura do macho brasileiro antigo, pré-histórico.

Nada que não se resolva, fui anistiado dessa empreita.
Resumo da ópera: Lá se vai mais de um ano e nós estamos agüentando firmes e felizes. As tarefas domésticas quando encaradas com satisfação e não obrigação podem, pasme, até se tornarem prazerosas, a sensação de terminar uma geral na casa, daquelas em que se perfuma dos banheiros até a varanda do quintal, o terreiro, que não mais é de terra, aliás sempre foi grama e pedras, varridinho, grama bem cortada e cheirando a verde, bancos encerados e móveis lustrosos de óleos de jasmim. Posso garantir, não tem cerveja mais saborosa do que essa tomada depois de tudo pronto. Tem mais, o gasto energético é tamanho que ficamos permanentemente em forma, claro a pequena e cultivada barriguinha faz parte e até dá certo charme — olha a história da sardinha e da brasa outra vez. Nossa casa pode também ser nossa academia, malha-se pra caramba.

Hoje posso lhe garantir, entendo tanto de produtos de limpeza e ferramentas de trabalho, leia-se rodo, vassoura, escovas, quanto qualquer dona de casa formada na Sorbonne ou Harvard. Tenho minha lista pessoal de sabões em pó, de detergentes, de desinfetantes, de tipos de panos de chão que secam de verdade, sabão em barra que rendem mais, tapetes mais práticos para serem usados e facilmente lavados.
Desenvolvi técnicas de uso dessas ferramentas que me permitem exercitar os mais diversos músculos do corpo, os transformei em aparelhos de ginástica sofisticados, seja para aumentar massa muscular através de impacto ou localizados, ou para alongamentos e relaxamento. Aprimorei técnicas transcendentais, zen mesmo de meditação em movimento, além de exercícios mentais de adivinhação e de rotina, excelentes na prevenção de doenças como Alzheimer.
Tenho, claro, que ressaltar que a meditação e a mente aberta durante o trabalho “do lar” são altamente produtivos para se ter idéias mirabolantes, como esse texto por exemplo.

O uso freqüente de camiseta cavada e bermudas permitem um contato seguro com o sol, saudável prática e, andar descalço ajuda a descarregar energia em contato com a terra mãe. Ecologicamente correto e confortador.

Enfim posso me considerar um consultor doméstico — um verdadeiro dono de casa. Viu, dona Danuza e queridas céticas amigas, existe vida produtiva e masculina aqui fora, e em Minas Gerais viu!
Ah! Posso garantir, este trabalho não afetou em nada minha virilidade, acho eu.

Só para terminar, se algum dia minha companheira resolver mudar de cidade em função de seu trabalho, tenha certeza serei o primeiro a ir até o novo destino e de pronto fazer uma pesquisa nos supermercados e vendas do local para conferir variedade e qualidade dos produtos.

Mas uma coisa tenho que confessar, se amanhã aparecer em nossas vidas outra jóia rara como aquela que tantos anos nos mimou, com certeza será como o primeiro gole para o ex-alcoólatra ou o primeiro trago para o ex-fumante, me entrego de corpo e alma, se puder ela fica o resto da vida conosco.
Como diria o grande Saramago em seu primoroso Ensaio contra a cegueira:
”Se podes olhar vê. Se podes ver repara.”

Com um grande abraço me despeço
Atenciosamente um homo sapiens masculino dono de casa.

William Henrique Stutz
Uberlândia – Minas Gerais
whstutz@gmail.com

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