quarta-feira, abril 1

Excomunhão

Contam que o mineiro em seu leito de morte estava totalmente lúcido, porém se mantinha mergulhado em sepulcral silêncio, se negava por tudo quanto há a receber o quinto sacramento: a extrema-unção

Intrigado, depois de horas de rezas e tentativas de convencimento, o padre, esgotado, jogou a toalha e quis saber o motivo de tamanha resistência da parte do moribundo em renegar o diabo.

— Digo, nada não, seu padre. Até saber para onde vou é bom não criar caso nem me indispor com ninguém.
Recolheu-se novamente a seus pensamentos.

Primeiro foi a briga contra as pesquisas com as células-tronco embrionárias. Propostas do retorno de missa em latim e vigário de costas para os fiéis ganharam força. Um desentendimento com muçulmanos por conta de certas declarações sobre o Islã e o Jihad criou um clima delicado e custou muita diplomacia ao Vaticano.

Agora, outro dia mesmo, o papa diz para o sofrido povo angolano que usar camisinha é
pecado e que a aids “não pode ser superada por meio da distribuição de preservativos, o que apenas agrava o problema”. Isso no continente onde mais casos da doença ocorrem, milhões adoecem, milhões morrem à mingua, desassistidos completamente sem medicamentos nem conforto para a alma. Isso sem contar que por lá reinam a miséria crônica, malária a rodo, guerras e genocídios étnicos, fome, sede. A
mais profunda e injusta tristeza e desigualdade humana do planeta ali habitam soberanas.

Me desculpe o conterrâneo mineiro do começo da história, mas mesmo não sabendo o que tem do lado de lá nem para onde pensam em me mandar, me junto a Danuza Leão e a tantos outros: excomunhão? Sei não, do jeito que as coisas vão, se é para ser nessa toada e isso tudo em pleno século 21, manda que ligo nada. Afinal, conceitualmente a quase totalidade da raça humana já se autoexcomungou e, consequentemente, amadureceu conceitos, e nem por isso está condenada ao fogo eterno.

Daqui a pouco, não demora, Kepler — a sonda, o observatório espacial da Nasa, — encontrará planetas similares à Terra, habitados por certo. Aí, vamos descobrir que não somos em nada o “povo escolhido”, os queridinhos do Criador como arrogantemente pensamos ser e que o poder de defi nir quem vai um dia ao Seu encontro não cabe a um punhado de presunçosos, mas sim a cada um de nós, do templo interior que humildemente construímos, de como conduzimos nossas vidas. Sem rancores, ódios, invejas. Seguindo talvez o único e mais importante de todos os ensinamentos divinos e universalmente, unanimemente difundido por todas as religiões e doutrinas: ao próximo mal jamais fará.

Confesso, nutro respeito e reverência, com muitas ressalvas porém, a quase todas regiões e doutrinas, conheço a sua importância, seriedade e o que elas carregam de bom e confortante à humanidade. Mas por segurança e juízo corto volta de Recife, vou mesmo é para Olinda seguir o Bacalhau do Batata.

E não é por nada não, mas aquela pequena, porém importante vírgula depois do “sim” na coluna de Ivan Santos no Jornal Correio lá do dia 14/3 “Excomungados sim, senhor” me deixou intrigado, com a pulga atrás da orelha. Posso estar redondamente enganado, pode ser um simples esquecimento de revisão, mas aquele pequeno sinal gráfi co conta mais do que o texto inteiro que o segue. Que tem mais coisa ali do que aviões de carreira entre o Céu e a Terra. Ah! Isso tem.




Pubicado hoje no Jornal Correio

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