segunda-feira, junho 7

Mosquitos

Após vinte e dois anos, dormimos sem mosquiteiro. Ainda não sei se isso é bom ou ruim. Quando mudamos para onde moramos tudo em volta era mato e só. Tinha asfalto, mas era no meio do nada. A estrada de acesso ao bairro era estreita e sinuosa. A estrada do Caça e Pesca.

Os terrenos aqui não eram cobiçados. Por obra e graça de um amigo, que se tornou compadre, vendemos o único bem material que possuíamos uma moto 125 somada a um empréstimo aqui, outro ali e compramos nosso chãozinho.
Na espreita até abrir financiamento do BNH e mudamos para o que era nosso. Fim do famigerado aluguel. Vitória para quem começava a vida sem ter lugar para deitar o peso dos ossos.

Fomos chamados de loucos por muitos. Morar em meio a jararacas,siriemas,teius sonolentos a esquentar sol no meio da rua? Coisa de doido.

Isso aqui era considerado tão ermo que muitas pessoas para cá vinham em passeios dominicais com toda família, como a conferir que espécie era essa que se aventurou tão longe. Chegamos, em lance de muito bom humor a imaginar colocar plaquinha na calçada como aquelas de zoológico: Homo sapiens, macho e fêmea. Faltaria apenas o "Não alimente os animais".

Tinha linha de ônibus sim. Hora passava, hora não.

À noite o coaxar de sapos e pererecas em sinfonia se misturava ao falsete dos grilos. Estes e aqueles em festa da procriação, buscando a todo custo a preservação de suas espécies, como a adivinhar o que o futuro, nem tão distante, estava a lhes reservar.

E dentre os barulhos noturnos lá estavam eles,os pernilongos. Chegavam em formação aérea quase militar, nos sobrevoavam primeiro em reconhecimento da área, depois em ferozes ataques à partes sem proteção.

Pés, braços, orelhas, eram avidamente sugados por gulosas fêmeas, enquanto os machos zumbiam em nossas orelhas quase ao alcance das mãos. Só as donas mosquitas se alimentam de sangue. Seus maridos são, digamos tipo assim, "vegans". Talvez graças à elevação que tal cardápio alimentar trás, estão sempre dispostos a se oferecer em sacrifício para que as madames aladas possam comprazer-se de nosso sangue e maturar seus ovos. Resultado: mais e mais mosquitas famintas com seus ferrões amolados a esmeril. Enfim, sem mosquiteiros, cortinados, filós, dormir nem pensar.

Podemos atribuir a diminuição dos insetos à inevitável ocupação da redondeza, diminuindo radicalmente áreas verdes e consequentemente os locais de reprodução dos bichos. Pode até ser que isso contribua, mas não se iluda. As criminosas queimadas urbanas este ano começaram mais cedo. Sua força destruidora além de detonar a saúde humana, também afasta insetos e outros bichos. Mas não se vangloriem ignóbeis pirômanos com este efeito colateral de seus atos de vandalismo e desprezo cidadão. Em breve tempo, o frágil ecossistema se recompõem vingativo.

Assim, amanhã ou depois estaremos todos de volta à proteção de nossos mosquiteiros e repelentes. Os bichos e plantas do bem estão sumindo para nunca mais voltar, mas nossos sedentos predadores retornam em número cada vez maior.

Todo ano a mesma ladainha. É hora de um basta.

A continuar assim, poderíamos acrescentar à plaquinha da calçada de alguns humanos: Homo sapiens - macho e fêmea: Predador incansável, animal egoísta e pouco social. Raça em franco caminho da autodestruição.





Um comentário:

Maria disse...

Hoje a "coisa de doido" é morar em prédios cada vez mais altos, onde praticamente não há luz natural e nada se pode plantar. Ouve-se até os ruidos mais íntimos dos vizinhos, através das finas paredes, mas no entanto somos todos desconhecidos.

E sobre os animais não tenho dúvidas de que a retirada deles de seu habitat causa um desequilíbrio ecológico e danos a todos os viventes, inclusive nós - Homo gersuns (sabem tirar vantagem em tudo!) :/