"Se for falar mal de mim me chame, sei coisas horríveis a meu respeito" (Clarice Lispector)
sábado, julho 24
Foguetes
Estranho, não havia notado. Talvez em função do horário, mas como estou de férias só agora pus reparo. Todos os dias, pontualmente, às 6h30 da manhã, ouço o espocar de um foguete de três tiros. Um rojão desses comuns cujo outro efeito, além dos estampidos, é o prazeroso cheiro de pólvora que fica no ar gelado das festas juninas. Assim do nada se faz ouvir nem tão longe de mim.
Como disse, não havia colocado tenência nos fogos e em seu rígido e britânico horário antes, pois normalmente a estas horas já estou fora da cama faz tempo, de café tomado, lixo para fora às segundas, quartas e sextas. O cão afagado, as crianças no carro rumo à escola e nós ao trabalho. Daí, às 6h30, o ecoar desses fogos não pegar ninguém em casa. Todo mundo em pé e funcionando. Ecoa deserto em salas e quartos vazios.
Mas as férias nos dão o direito de ficar um pouco mais na cama, de acordar mais tarde, de ter fome ou sede fora de horário além, e é claro, de escutar daqueles que não estão de férias a velha e irritante interjeição em deboche: Férias? De novo!?
Fico a imaginar os motivos que levam alguém a todo dia, religiosamente, soltar apenas um daqueles de três tiros. A fantasia e as lendas aqui se fundem. Dizem alguns, aos cochichos, que estes rojões são o indicativo de que chegou droga em alguma boca das quebradas.
Ponho-me a imaginar. Será que tem traficante que, como leiteiro de antigamente, se põe a avisar aos usuários que o ponto está aberto? Que é só entrar na fila, dar um cordial bom-dia e, à luz de um amanhecer, comprar sua trouxinha de qualquer coisa e sair como se à venda fosse? Duvido, não acho plausível, pelo menos aqui em Uberlândia, talvez nos morros do Rio ou em favelas de Belo Horizonte, mas não aqui no portal do cerrado.
Outra hipótese mancomunada sob cobertores em manhã fria toma forma: e se fosse uma promessa por graça alcançada? Tipo assim, se conseguir tal coisa, prometo ao santo soltar um foguete toda manhã, às 6h30, pontualmente, durante dois anos. Sei não, este acordar assustado com barulho de guerrilha seria um suplício grande demais, tanto para o bairro quanto para o próprio santo que, de tanto susto, tomaria a graça alcançada para trás e rogaria imprecação das grandes. E olha, com praga de santo não se brinca. Descarto a promessa.
Quem sabe é alguém de família grande que precisa acordar todo mundo e, cansado de pular de quarto em quarto, resolveu e comunicou em reunião de almoço de domingo que a partir daquele dia o despertar seria do barulho? Não, difícil acreditar nisso.
Culto ou missa em igreja sem sino? Uma chamada matutina para os fiéis? Pouco provável, já teria dado encrenca. Afinal, o Estado e todo aparato de fiscalização e repressão é laico e já teria sido acionado por vizinhança.
Mas que diabos, me desculpe o santo da frase acima por citar o tinhoso, faz alguém soltar estes traques crescidos todos os dias?
Quer saber, não vou perder o sono por conta disso. Mas por que será?
Vamos esperar para ver quando chegar o horário de verão. Será que a(o) fogueteira(o) vai adiantar o lançamento em uma hora? Ou o significado não está preso ao passar de horas humano?
Enquanto o mudar de hora não vem, no soar das 6h30 acordo cedo e aproveito para ficar mais tempo à toa. Afinal, férias com ou sem foguete foram feitas para isso, ou não?
No Jornal Correio de hoje AQUI em pdf
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