segunda-feira, maio 7

Pomba


Quer ver o belo? Então saia de casa e olhe à sua volta. Quer ver o feio? Saia de casa também. Não tem que procurar muito. Está escancarado em todas as esquinas, nas ruas, nos muros, nas almas que perambulam fatigantes vida afora. Em andanças diárias, topo com rolinha, a pequena pomba nativa, genuinamente nossa, nada de interferências europeias em sua vida.

Estava a coitada a dar piruetas sobre a calçada de nobre bairro zona sul. Em um primeiro instante, cheguei a pensar na comum estratégia dessa ave, que, para despistar predadores de suas crias, simula fragilidade, como se estivesse machucada, atraindo assim para si potenciais inimigos. Este teatro, muitas vezes, funciona e leva o predador a mudar de alvo. Quando certeiro bote está para ser desferido, a esperta alça voo para segurança com a família. Cena bela de se ver.

Não era esse o caso. Aproximando da pequena, notei rubra cor misturada às suas penas. Sangue. Demorei a conseguir pegar o bicho que em mim via gigante pronto a terminar o mal feito. Apalpei suas penas e rápido notei o que parecia ser um furo de tiro. Carecia atendimento rápido.

Como estávamos em Quinta-feira Santa, ponto facultativo municipal, me vi em dilema, pois em casa não conseguiria tratar adequadamente da paloma e ela teria morte certa. Mas ligar para quem? Sofro de incapacidade de dirigir carros. Gosto de moto, mas estou terminantemente proibido de possuir uma pela família, e lá eles têm suas consistentes razões e argumentos. Assim, extremamente limitado, já pensei em avançar mais um pouco e voltar a dirigir, mas isso implicaria adquirir mais um carro, me meter no suicídio financeiro de financiamentos de 60 meses, para pagar algo que detesto. Entro nessa não. Vou me virando a pé, de favores, transporte coletivo ou táxi. Problema à vista, o plantão do Hospital Veterinário encerrava às 13h. Faltava pouco. Não ia conseguir. Amigos viajando, ligar para quem? Tentei corporações públicas. Não deram prosa.

Como por milagre, ainda com a pombinha nas mãos, dei com os valorosos agentes de controle da dengue em plena atividade. Aqui registro agradecimento público e especial ao coordenador destes guerreiros da saúde coletiva, José Humberto Arruda, que, após contato, enviou viatura para recolher o pequeno animal e entregá-lo ao competente departamento de animais silvestres, no Hospital Veterinário da UFU. Ficou em boas mãos, se salvará.

Destaco a generosidade e espírito público de Arruda. Em pleno feriado, mostrou postura proativa comparada às outras corporações que contatei, completamente perdidas na mesmice, na falta de iniciativa. Ou seria preguiça? Não agem centímetro além do que está escrito em seus velhos e obtusos manuais. Criaram-se profissionais compartimentalizados, vazios.

Seguramente tudo nesse mundo está interligado e tem consequências universais. Se levarmos ao pé da letra as contribuições dos modelos matemáticos de Edward Lorenz à Teoria do Caos, podemos facilmente concluir que a ação de um servidor público exemplar pode, facilmente, ter influenciado o curso natural das coisas. Quem sabe salvamos o mundo? E como andam por ai a dizer, impedimos do planeta acabar nesse 2012?

Pelo menos dessa joia da natureza é fato que salvamos. Quanto ao néscio “classe A” que atirou ou permitiu filho manusear arma de pressão, causa-me asco e, pois, quero a maior distância possível dessa insana crueldade.




Publicado no Jornal Correio em 5/5/2012

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2 comentários:

Clarice Villac disse...

Uma verdeira parábola contemporânea !

Publicada também em:

http://cantinholiterariososriosdobrasil.wordpress.com/2012/05/08/pomba-william-stutz/

william h stutz disse...

Obrigado pela gentileza querida amiga.
Abração