domingo, agosto 12

Brinco - Parte 1


De longe, o sol refletiu brilho diferente na calçada. Acostumado a andar sempre atento ao chão, pois o campo minado pelos cães está por toda parte, aquele luzir me chamou a atenção.

Era uma subida um tanto quanto íngreme para os padrões de nossa cidade. Assim, em dado momento, aquele pequeno fulgor estava à altura de meus olhos, como se no horizonte estivesse.

Segui em frente curioso. Uma moeda talvez? Uma tira de tampa de lata de cerveja ou, quem sabe, apenas um papel de maço de cigarros? Vemos isso por todos os cantos. Educação não é o forte para muitos de nossa gente. Há aqueles para os quais lixeira é a rua. Levam seus cães para sujá-las como se isso fosse normal e como se estivessem fazendo boa ação para o pobre animal.

Uma nuvem mais encorpada de poeira, ciscos e folhas passou ligeira e apagou momentaneamente o brilho.
Mais alguns passos e lá estava eu parado a observar a fonte de tímida luz. Era um solitário brinco dourado, perdido ali no meio do nada. Muitos haviam passado sobre ele sem notá-lo e por sorte ninguém o pisoteou.
Agachei e recolhi a pequena peça. Curioso, coloquei-a sobre a palma da mão. Era um brinco mesmo, bom pelo menos à primeira vista. Possuía o formato de uma flor, uma rosa talvez. Bem no centro um minúsculo brilhante a me olhar piscando multicor.

Era uma joia verdadeira e não bijuteria de camelô. Olhei ao redor procurando alguma moça desesperada com a mão na orelha. Nada.
Bom, poderia ser de algum moço, pois esse tipo de adereço deixou de ser exclusividade feminina já tem tempo. Mas pelas cores formato e delicadeza, tudo levava a crer ser de alguma mulher.

Talvez tivesse sido presente de namorado ou noivo. A falta desse poderia gerar separação ou briga homérica. Fiquei apreensivo.

Segui meu caminho atento agora às expressões femininas. Uma moça magra, melancolia estampada no rosto, passou por mim. Não tive dúvidas e a abordei com a mão aberta onde, como em porta-joias cintilava a flor: — Por acaso este brinco é seu?

Ela me olhou assustada. Foi como se a tivesse arrancado de forma violenta de um cismar longe. Olhos arregalados vi ali medo. Balançou negativamente a cabeça e se afastou ligeira. Que mundo esse! Pensei sem tirar os olhos na joia. As pessoas andam com tanto medo pelas ruas que uma simples pergunta, mesmo acompanhada de um sorriso, parece ameaça. Desconversam e literalmente fogem de qualquer contato por menor que seja com estranhos. Seguros? Apenas dentro de suas casas fortalezas, cercadas de alarmes, câmaras, cães bravios e frascos e mais frascos de ansiolíticos.

Bem mais à frente depois de muito procurar, em ato impensado, levei a mão com o brinco próxima à minha orelha, para um simples coçar a cabeça. Um murmúrio se fez ouvir.

Parei abruptamente e corri olhos de um lado a outro. Ninguém por perto.

Imaginação minha. Mas o som foi tão nítido. Novamente olhei à minha volta e, fingindo novo coçar levei novamente agora intencionalmente, o brinco junto à orelha. Um frio percorreu a espinhela e o coração acelerou. O brinco, simplesmente falou comigo!

Fechei rápido a mão e apressei o passo. Devo estar delirando. Coisas da imaginação. Brinco falante?!
Cheguei em casa esbaforido. Com olhos arregalados me tranquei no quarto. Brinco sobre a mesa. Puxei cadeira e fiquei bem perto a observá-lo.

Aproximei a cabeça de forma que minha orelha ficasse rente ao tampo de madeira, sentindo o cheiro de lustra-móveis. O sussurro pode-se ouvir agora um pouco mais nítido. Pude distinguir algumas palavras. (Continua amanhã).







Publicado no Jornal Correio em 12 de agosto 2012 ( Dia dos Pais!!!)

Em PDF AQUI

4 comentários:

Clarice Villac disse...

Aguardamos as novas cenas do brinco falante !!!

william h stutz disse...

Não perca em cadeia nacional/
depois do horário eleitoral

Clara Clarice

Eduardo disse...

Texto Sensacional!

william h stutz disse...

Eduardo obrigado. A crônica completa esta aqui no blog em http://cerradodeminas.blogspot.com.br/2012/08/o-brinco.html