Estranhos os humanos. Não bastasse a ira com que se digladiam por riquezas materiais e crenças, não bastasse o ódio genético que nutrem por aqueles que discordam de seus deuses, em Jihads pessoais, chegam ao ponto de se tornar homens-bomba, armarem armadilhas para que explosões e estilhaços esquartejem inocentes em mais um inimaginável atentado como o da maratona de Boston.
Estranhos os humanos. Houve um tempo em que faziam muito sucesso os circos de horrores como “The Sideshow”, de P.T. Barnum. Segundo Alan Seaburg, do Universalist Historical Library, Barnum era dono de circo no século 19 e viajou por toda a América levando pessoas estranhas com doenças bizarras. O circo se chamava Ringling Bros and Barnum & Bailey Circus e apresentava ao público, ávido por estranhezas, figuras como Joseph Merrick, o homem-elefante; Myrtle Corbin, a mulher de quatro pernas; Mary Ann Bevan, a mulher mais feia do mundo; Mademoiselle Gabrielle, a mulher pela metade, e tantos outros humanos repletos de sentimentos e muito sofrimento, que, só como atrações grotescas, conseguiam sobreviver e, miseravelmente, obter sustento graças às suas deformidades. Sempre haverá gente a se deleitar com o sofrimento alheio.
Para essas pessoas, suas doenças raras eram seu único ganha-pão. Em século ainda sob o manto da escuridão científica, nada mais restava a elas senão a humilhação pública. Se eram voluntários ou não, impossível saber.
Hoje, a ciência explica a maioria dessas anomalias de ordem genética: doença do homem-árvore, mal de arlequim, doença dos vampiros, a família azul de Troublesome Creek. Uma lista imensa poderia ser aqui apresentada.
Estranhos os humanos. Dos circos de pessoas para os circos com animais e zoológicos foi um pulo. Na verdade antecedem os circos dos horrores. Mas Barnum, esperto que só, logo percebeu que quanto mais horror mais dinheiro. Os bichos deram lugar às deformidades e ao padecer alheio.
Os circos contemporâneos já não se atrevem a utilizar animais. As bem-sucedidas campanhas pelos circos sem bichos deram resultado positivo mundo a fora.
Sobraram os zoológicos. O debate é acirrado e não vai acabar tão cedo. O jornalista Ivan Santos, muito oportunamente, levantou o assunto e sabemos bem que vai render pano para manga. Sou visceralmente contra zoológicos desde criança. O que para a maioria era entretenimento para mim era suplício.
Pedro Ynterian, presidente internacional do “Great Ape Project” defende este ponto de vista com clareza especial: “Exibir publicamente uma galinha não é o mesmo que um primata ou um elefante, animais com inteligência superior. Um chimpanzé tem 99,4% do nosso DNA, se relaciona com as pessoas, odeia algumas e ama outras. É tortura colocá-lo num recinto fechado. Em pouco tempo fica louco.”
Deixo bem claro que, particularmente, acho que nem galinha deveria ser assim exposta. Pego carona e bandeira de Ynterian e do jornalista Gregório José: “Os zoológicos poderiam virar centros de resgate e cuidado, mas sem visitação”.
O buraco é mais embaixo, a briga é outra. A luta é pela preservação de nossos biomas e batalha pelo fim de traficantes de animais.
Rever conceitos é sempre importante para crescer. Ou assim fazemos, ou acabamos afundados no admirável mundo novo de Aldous Huxley, sem ética, sem amor, sem sentido.
Muito estranhos nós, humanos.
Muito estranhos nós, humanos. "Pobre de mim, pobre de nós" canta Flávio Venturini em sua "Linda Juventude".
Publicado no Jornal Correio em 19/04/2013