Foto da radiografia de meu dedo pós cirurgia
Existem coisas que acreditamos só acontecer com os outros. Alguns meses atrás estava eu a limpar azulejos de banheiro em dia de faxina.
Em janeiro completaram-se 6 anos que não temos ajudante em casa. Enquanto nossos filhos eram pequenos era simplesmente impossível ficar sem alguém para nos dar apoio, mas, hoje, crescidos, cada um faz a sua parte e, assim, conseguimos juntos tocar as tarefas domésticas.
Com divisão de afazeres tudo fica fácil. Além do mais, as despesas geradas com ajudante são altas, se você for correto, o que sempre fomos. Carteira assinada, férias, licença-maternidade, tudo à risca como determina não apenas a lei, mas a nossa consciência pouco dada à escravidão alheia. Sai caro.
Eu a limpar azulejo, quando em descuido, dedo escorrega e bate firme no piso. A primeira falange do dedo médio, no popular, a ponta do dedo, simplesmente entortou, formando um ângulo reto quase perfeito. Tentei colocar no lugar sem sucesso. Não havia dor alguma.
Hospital lá fui eu. Atendido por competente ortopedista, com um simples apalpar, depois confirmação radiológica, o diagnóstico: dedo em martelo. Nunca tinha ouvido falar disso. Vivendo, aprontando e aprendendo. A solução deu frio na boca do estômago: cirurgia. Introduz-se um pino na ponta do dedo que atravessa os ossos e fica o pendoado e sofrido pedaço de mim em posição normal. Ali ficaria por seis semanas. Um pequeno gancho do lado de fora, broto de Wolverine do interior das Minas.
Medo natural de sala de cirurgia; tinha passado por poucas e boas recentemente. O sentimento de impotência e fragilidade companheiro de outras intervenções. Mas como não havia outra solução lá fomos nós.
Mais uma vez faço questão de citar a competência do ortopedista que, com destreza e agilidade, em poucos minutos colocou o gancho, lá estava, mas sem patente de capitão.
Semanas estranhamente cômicas. Não faltou dia sem engarranchar em algo. Toalhas, roupas ao vestir, suplício. Aos enroscos e trapalhadas passaram-se os dias sem que eu pudesse fazer o que mais gosto: sair em expedições de captura e estudo de escorpiões e morcegos. Suportei valentemente.
Chegado o dia marcado, lá fomos nós para retirar o metal. Com segurança e mão firme em mais uma demonstração onde se misturam saber e prática, com simples alicate, lá se foi o pino imobilizador. Passou alguns exercícios e pediu retorno.
Observou-se que o dedo não tinha voltado totalmente para o lugar. Manteve ligeiro entortar, coisa pouca. Outra cirurgia foi recomendação.
Muito serviço, viagem marcada, ficou para depois.
Meses se passaram e vou eu postergando essa nova passagem por tratamento. Além do que, me acostumei com a ponta agora ligeiramente caída. Por incrível que pareça, vem até facilitando minha vida em algumas atividades. Digitar é uma delas, o dedo já está virado para o teclado, ficou simples alcançar algumas teclas como o “cê-cedilha” e os acentos.
Ficou também fácil manusear minhas pinças, tanto no campo quanto em laboratório na lida diária com meus bichos. Até abrir lata de cerveja ficou mais fácil.
Desconheço as consequências em longo prazo de não restaurar a funcionalidade normal desse meu ex-quase-dedo em martelo.
Mas vou levando assim mesmo, virou marca registrada. Só não posso, nem devo usá-lo como conhecido gesto obsceno. Fica virado para mim, pega mal.
Publicado Jornal Correio em 1º de abril de 2013
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