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Ando árido de pouco escrever. Parece que a fonte secou ultimamente. Secura de mundão que em tudo imita um sertão de Rosa e Euclides – quanta intimidade com gênios imortais. Deve ser cansaço, descrença ou espanto. Talvez os três – tríade da desesperança que, espero, seja momentânea.
Não que falte assunto, isso nunca. Aliás, estamos passando fase de alta safra de temas, prato cheio para jornalistas, palpiteiros e rodas de prosa. Enumero sem me apegar a cronologia. Comecemos pelo que nesse momento sacode o país: as manifestações populares Brasil afora em proporção só vista em minha humilde vivência e das quais participei ativamente durante as “Diretas já” e no “Fora Collor”. Só isso daria um livro. Observo atento, apoio irrestrito.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) número 37, que amordaça nosso Ministério Público, é uma afronta à nossa jovem democracia. Já pensou a farra se o MP fosse proibido de conduzir investigações criminais? Inimaginável.
Mais assunto? Tome: a aprovação pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados do projeto de lei conhecido como “cura gay”, pelo qual psicólogos podem propor tratamento para o homossexualismo. Felizmente os psicólogos não pensam assim. Eu não sei se pulo de uma ponte ou mudo de planeta. Pelo que sinto, a idade das trevas retorna com seu manto de ignorância, intolerância e maldade, só que, desta vez, sob o comando de outra igreja. Será que entre eles não existem mentes brilhantes como um Dom Helder Câmara?
“Mariama, Nossa Senhora, mãe de Cristo e Mãe dos homens!
Mariama, Mãe dos homens de todas as raças, de todas as cores, de todos os cantos da Terra. Pede ao teu filho que esta festa não termine aqui, a marcha final vai ser linda de viver.”
Um Frei Betto? Um Frei Tito? Que, exilado, mortificado pelas torturas sofridas durante a ditadura, suicidou-se em Lyon na França e, mesmo assim, lhe foi permitido enterro em campo santo: “São noites de silêncio./ Vozes que clamam num espaço infinito./Um silêncio do homem e um silêncio de Deus./ Talvez seja esta a voz humana, de nosso tempo”.
“Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate! Abandone toda a esperança, vós que entrais aqui! Tito se lança a Dante para título de seu derradeiro poema”. Imaginem a angústia e sofrimento desse homem.
Não, não é falta de assunto. Corrupção generalizada e institucionalizada, prato cheio. Mais desatino? Aprovação do “Ato Médico”. Que doido!
Ronaldinho diz que não se faz copas com hospitais. Pelé bagunça o coreto, em declaração esclerosada pedindo ao povo que abandone as manifestações. Tirando um Tostão, um Sócrates, um Ray, um Reinaldo, um Zico e mais meia dúzia, chego à triste conclusão que a maioria dos jogadores sofre de deslocamento de órgãos: o cérebro se deslocou para os pés. Romário tinha razão. Pelé calado é um poeta.
Vejo com nó na garganta um país se esboroando ao vento e me sinto acordando de um sonho que, em sua fase mais profunda, tornou-se pesadelo. O chão de milhões balançam em dúvidas sobre futuro incerto. Não é falta de assunto, este sobra. Reflexos da tríade lá do alto. Mas passa, como tudo passa.
Em último recado, para aqueles que acreditam que o movimento é coisa de preço de tarifa de transporte, transcrevo aqui a melhor frase que vi em todas as manifestações: “Enfia esses R$ 0,20 no SUS”.
PS: Acho que este dito do cartaz será impublicável.
Publicado
Jornal Correio em 2 de julho de 2013