Nunca me imaginei escrevendo sobre futebol, mesmo nascendo em berço alvinegro, no bom e velho bairro dos funcionários em Belo Horizonte. Lá é assim: ou se é atleticano ou torce para aquele time que se veste de azul, cujo nome não pronunciamos tal qual um Voldemort, o “Você-sabe-quem” da saga de Harry Poter. Fica uma beirinha de gente para torcedores do América, geralmente mais erada e saudosa de histórico decacampeonato mineiro – 1916 e 1925 – só isso. Estranho, meu editor de textos insiste em sublinhar de vermelho a palavra “erada”. Não está nos dicionários online e, para espanto meu, nem no Google. Ora viva! O nosso falar do interior das Minas e Goiás não foi indexado na rede. Mas, para sossego, consta do “Aurélio” de papel. Como é bom folhear um bom dicionário, descobrir palavras, brincar de significados. Música de páginas passando, cheiro de verbetes e transcrições fonéticas.
Quarta-feira 10 de julho foi especial. Como aqui as emissoras de televisão ditam as cartas e eu tenho obrigatoriamente que acordar cedo, fica impossível até pensar em assistir a um jogo completo. Somos forçados a esperar até as 22h para começar. Como sou do dia, dormir tarde equivale a um porre de vinho de má qualidade. Mas esta ressaca valeu a pena.
Adorei sair de casa de óculos escuros para esconder as olheiras, troféus.
A ideia, como de costume, era ver um pedacinho do primeiro tempo e ir direto para a cama. Resultado só no dia seguinte. Como são poucos os atleticanos em Uberlândia não podia contar com foguetório para ir me dando placar. Se fosse time de São Paulo ou Rio daria para acompanhar apenas pelo espocar de
rojões.
A visão do Independência sacudido por uma massa linda e vibrante bateu forte. Daria muito para poder lá estar. As imagens dos rostos, da fé, os gritos de “Eu acreditoooo!!!” eram de fazer arrepiar o mais frio dos
humanos.
Aos dois minutos e meio, o pequeno Bernard recebe passe mágico de Ronaldinho e coloca a bola por entre as pernas do goleiro “hermano”. Tive que ver até o fim. Sozinho, sentado o tempo todo só com a ponta da bunda no sofá, tamanha a aflição. A espera do segundo gol que não vinha. Imagens de olhos rasos d’água por toda a torcida, apego e rezas a tantos santos, até para alguns que nem existam formalmente.
A resposta dos céus veio pelos pés de Guilherme. Meu grito deve ter acordado vizinhos. Cães da vizinhança latiram preocupados. Um ou dois foguetes lá longe. Tem pelo menos mais meia dúzia de atleticanos em algum lugar. A série de pênaltis também foi sofrida. Aliás, tudo na vida atleticana é sofrido e é por este motivo tão preciosa e valorizada. Jô e Richarlyson, o quê foi aquilo? Querem matar a maior torcida de Minas de susto? Ainda bem que “los hermanos” Casco e Cruzado retribuíram a gentileza. “São” Victor voou como ave pantaneira e despachou o Old Boys. “Hasta la vista, baby”!
Acordar no dia seguinte foi uma batalha. Mas valeu a pena a fala rouca dos gritos espontâneos e a difícil tarefa de conciliar sono profundo, pois a agitação não deixava. Valeu a pena mesmo. Alma lavada.
Galo cantou. No meu quintal, em meu coração. Galo cantou e seu grito ecoou por toda Minas Gerais. Galo forte vingador.
Pena, a decisão será no Mineirão. Se não fosse, já poderíamos levantar a taça da Libertadores, pois está mais do que comprovado: “caiu no Horto, está morto”.
Publicado Jornal Correio em 21 de Julho de 2013
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