O ano não foi dos melhores para chuva. Nunca vi tamanha sequidão em um janeiro e fevereiro. Enchente de São José só no norte do país. Em um Brasil desse tamanho, até a distribuição de chuva é desigual. Enquanto em algumas regiões cachorro anda tomando água de boca para cima, por nossas bandas o que se vê são represas secas, rachadas. Tablados de ranchos viraram galinheiros. Estaleiros ficaram tão altos que acrofóbicos devem evitá-los.
Em visita a amigo, este nos levou até beira d’água. Tivemos que andar um bom pedaço para lá chegar. Resolveu dar uma olhada em seu canto de pesca. Já tinha, a duras penas, empurrado o tablado para dentro do lago várias vezes. Agora não adiantava mais. Água pouca. Para represa voltar para perto do que um dia fora, serão anos. Isto se tiver fartura de chuva nas cabeceiras dos córregos e rios que formam a gigantesca lâmina, o espelho líquido que, faustuoso, faz fronteira com três Estados.
A continuar a toada e descontrole, dentro em pouco poderemos passar de Estado a outro sem canoa. Esquece ponte. Tem tempo? Aproveita, vai a pé.
Já que não tinha como pescar, o jeito era sentar à varanda e trocar prosa. Obviamente, o assunto não podia ser outro senão o desmazelo com as coisas da natureza e a vingança da terra.
Como um jogo de palavras, tentamos enumerar as tantas e quantas reuniões mundiais sobre o tema. Assim no susto vieram algumas: Convenção sobre Pesca no Atlântico Norte lá em 1959. Acordo sobre Poluição do Rio Reno, Cooperação entre países para prevenir a poluição e manter qualidade da água em 1963. Estocolmo 1972, Rio 1992, Rio +20. Paramos aí. A brincadeira ficou triste. Quantos tratados, princípios e compromissos foram assinados. Chefes de Estado saindo sorridentes nas fotos, mas, por dentro, já sabendo que nem em sonhos o acordado seria realizado.
Noite avançava lenta. Turma resolveu dormir. Decidi ficar ali mais um pouco. Lua jorrava luz sobre a curta lâmina sem marolas, mesmo com a brisa fria que soprava frequente. Fiquei imaginando quantas palavras foram gastas com questões ambientais e que, simplesmente, escorreram ralo abaixo. Desperdício sem conta.
Talvez aí estivesse a chave do insucesso. Como lagos, cachoeiras, rios e represas esgotaram-se ou estavam em nível crítico, reserva de palavras sinceras.
A politicagem com o meio ambiente, as mentiras embutidas em promessas eleitoreiras haviam consumido o repertório dos mandatários locais e mundiais. O termo “crescimento sustentável”, por exemplo, parou de ser produzido, estava fora de linha. Uso falso o havia consumido até os ossos. Não sobrara mais nada. Estava pálido, sem brilho/cor, escondido em algum recanto de cabeças ditas progressistas. Pediu aposentadoria compulsória. Palavras, assim como Anjos da Guarda de crianças, aposentam cedo, geralmente por invalidez ou periculosidade. Vernáculos e expressões tais como “prometo”, “farei”, “não vi”, “se eleito for”, estão perdendo viço à velocidade da luz. Estes são apenas alguns exemplos.
Estamos em ano eleitoral e, se você tiver a paciência que me falta para assistir ao teatro do horário político, preste atenção como essas e tantas outras palavras ditas soam tão fracas, cansadas, falsas, como que recauchutadas em oficina trambiqueira. Conhecem seu destino. Estão prestes a se transformar em língua morta.
Publicado Jornal Correio em 20/04/2014
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