O tempo rugia em pré-chuva. Aquela que não veio no tempo certo ameaçava desabar em cântaros. Seria muito bem-vinda. Choveu pouco, represas lá embaixo, risco de falta d’água. Os primeiros pingos bateram forte no telhado. Rufos como pratos de bateria, show de rock pauleira. Beleza. O calor poderia dar um descanso.
Bia resolveu, resolveu não, tinha que sair de casa. Sua tranquila agitação não lhe permitia ficar muito tempo em lugar só. Casa de mãe, acertar alguma conta, buscar João. Feliz muxoxo, pois gosta de andar, é a natureza dela, eu no meu sossego de bem parar acho bom. Fico no sorriso. No roncar das nuvens deu sapituca de resolver algum problema. Não sei bem qual, mas avisei pela milésima vez, evita a Rondon, ali é de pouco jeito. O rio encurralado, o excesso de asfalto, carreia tudo para lá. Vira rio como sempre. Não há quem dê jeito. A natureza sempre vence.
No preparar para sair, o corre e procura de sempre. Chave, cadê? E A bolsa? Outro canto. Celular, cadê o celular? Ah, ficou no carro (como sempre).
Certa feita ligaram de papelaria, havia deixado o celular no balcão. Aparelhinho antigo, quem iria querer? No Aeroporto de Viracopos, a mesma coisa. — Moça, esqueceu o celular!
A papelaria devolveria qualquer que fosse o modelo. Uberlândia, gente conhecida e boa. Porém, num aeroporto impessoal e internacional?
Recebe e liga, diz Bia. Não é para isso que foram feitos? Desdenha a tecnologia e vive muito melhor do que os obcecados.
Hora de sair. No bate rebate, toca de roda, uma lembrança: — Cadê minha sombrinha?
Procura por todo canto e nada. No carro! Nada. Juro que está aqui. Essa nunca mais.
Anos vendo esta cena em tempos de chuva. Claro, só lembramos de sombrinhas e guarda-chuvas nessa época.
Desconfio que desvendei o mistério. Sombrinhas e guarda-chuvas têm vida própria e são muito organizados. Possuem em sua composição algo que os faz desmaterializar após certo tempo. Prazo de validade metafísico, um arranjo transcendente.
É assim, desde o começo dos tempos, coisa de mais de 3.000 anos atrás. Contam que um imperador mesopotâmio mandou cortar cabeças de mil e duzentos súditos, só porque não encontrava sua sombrinha real. Mal sabia ele que a conspiração era da própria.
Em minhas pesquisas sobre o nada, descobri que o estoque inteiro de uma loja na 25 de março simplesmente desapareceu. Dono da loja chegou cedo para vender seus produtos pensando em faturar alto, garoava, novidade em Sampa… Qual foi sua surpresa ao levantar a porta da loja: nenhum guarda-chuva ou sombrinha lá estava. Prateleiras limpas. Assim como dizem existir cemitério de elefantes, deve existir um mundo paralelo habitado só por sombrinhas e afins. Lá o frevo corre solto, as “yangsan” colorem esse mundo fantástico. Milhões de sombrinhas que coloriram o show “Umbrella”, de Rihanna, se refestelaram em risos e arrepios, pois se desmaterializaram em apogeu de festa.
Não tem jeito. Ao comprar uma sombra artificial saiba que será temporário. Acostume-se com o fato. Dura pouco. Logo terá que comprar outra. É sina, predestinação. Contudo, sempre haverá loja em camelódromo louco para se desfazer de seu estoque, pois sabem que as peças tem dias contados.
Avisei Bia para não esquentar mais. Perdendo sobrinhas periodicamente lá se vão anos de um bem viver juntos. Só rindo.
Publicado Jornal Correio em 13/04/2014
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