segunda-feira, junho 16

Era uma vez…




Cedo deslizar sonolento para o trabalho, me deparo com cena de Fellini. Em meio a gramado ainda verde em plena seca, balões coloridos em arranjos delicados, dançavam ao sabor do vento. O sol ainda baixo lhes conferia uma luminosidade surreal. Devem ter fugido de festa de criança.

O resto do caminho segui matutando. Tempo não via sinal de festa de aniversário em casa. Andam preferindo casas especializadas em eventos onde se pode escolher enfeites temáticos, cardápio de doces e até bolos com os formatos mais estranhos. Tudo ao gosto do freguês mirim. Isto quando o presente de dois ou três anos não é uma viagem à Disney, pois semana inteira, lá, fica mais em conta do que fim de semana no Beach Park em Fortaleza.

O primeiro presente que criança ganha é um aparelhinho eletrônico com dois botões; um de pânico para, em caso de perigo, acionar os pais à distância, uma vez que raramente em casa estão e o outro, caso leve palmada, acionar a polícia, resultando em prisão e processo. Agora é lei. O segundo presente, um Smartphone.

Pensamento é ligeiro ou o caminho é longo. Peguei-me nas bobagens que querem mudar na vida dos pequenos. Comecemos pelas histórias infantis.

Não vou nem comentar a nova moda de resumir clássicos para que fiquem palatáveis e criem leitores toscos em imaginação e vocabulário. Fica para outra oportunidade. Vai criar polêmica inútil e não é o foco agora.
Cantar “Atirei o pau no gato” virou apologia aos maus-tratos aos animais. Pois cantaram para mim e para filhos assim cantei. Não me tornei nem criei monstros assassinos de bichos. Pelo contrário, ainda sou daqueles que preferem bicho à gente e meus filhos, além de admiradores contumazes da natureza e tudo que nela há, são incapazes de matar formiga. Barata voadora sim, mas formiga ou outro vivente jamais.
O lobo mau está sendo taxado de pedófilo. Querem mudar a abordagem ocorrida em ermo local para floresta movimentada, repleta de tratores e motosserras barulhentas, madeireiros ilegais aos montes para todo lado, felizes e corados em saúde, com suas camisas xadrez, heróis a proteger a pequena Chapeuzinho Vermelho.
Os três porquinhos, coitados, passando de ameaçados a obstinados comedores de carne de outro lobo, parente daquele pedófilo da história anterior. Mas que família problemática essa dos Canis lupus! Será o infausto genético?

A Bela Adormecida, afirmam alguns, era viciada em ansiolíticos pesados, daí, seu profundo sono sem sonhos. Branca de Neve, insinuam outros, era uma degenerada insaciável que mantinha um relacionamento pelo menos suspeito com os sete anões. Irmãos Grimm devem estar a sacudir ossos.

Festa no céu virou sinônimo de rave, onde tudo rola. Laudatória aos pecados da carne e às drogas. Tarja preta dos puritanos sem assunto. Sabe quem foi o autor desta bela fábula? Foi o brasileiríssimo potiguar Luís da Câmara Cascudo. Esta, como tantas outras de nosso folclore, também estão passando pelo crivo de censura velada e requerem releituras por “deseducarem” nossos pequenos. A lenda do boto cor-de-rosa. Pedem que seja vendida apenas para maiores de dezoito e lacrada. Quanta bobagem.

No mais, gerais. Deixem em paz nossa literatura infanto-juvenil, sem hífen.
Vamos viver felizes para sempre, sem neuras exacerbadas ou problemas maiores do que o cobertor que nos foi dado a usar.




Publicado Jornal Correio em 14 de junho de 2014


https://drive.google.com/file/d/0B3a7BJIdLwOhX2dOTnhUSENIVk0/edit?usp=sharing

Nota:

Achei essa horrorosa versão "politicamente correta" do Atirei o pau no gato. Como diz um comentário postado abaixo da bagaceira: "O politicamente correto já beira a chatice extrema". Isso para pegar leve, para ser educado.


"Versão Politicamente Correta" (Que horror! Vamos criar crianças imbecis desse jeito)

Não atire o pau no gato-to
Porque isso-so
Nao se faz-faz-faz
O gatinho-nho
É nosso amigo-go
Não devemos maltratar os animais
Miau!

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