Era dado a conferir tempo quase todo dia antes de sair de casa. Os motivos desta mania deviam-se ao meu trabalho e de minha equipe, aliás, a melhor e mais comprometida turma que já conheci e com qual trabalhei durante uma vida. Usando palavras minhas, de domingo passado, posso, sem medo de errar, chamar “meu” pessoal de “cuidadores públicos”, tamanho o envolvimento da turma com o fazer.
Cada Ordem de Serviço torna-se missão e não medem esforços para resolvê-la. Aqueles que não aguentam o pique não ficam. Isto é normal. Cada um, cada um. Ninguém é obrigado a dar certo com determinado fazer. Trabalhar em equipe é um desafio diário. Em cada cabeça um pensar, uma formação, um jeito de assim ser, um time de futebol a torcer. Desavenças naturalmente surgem, mas cabe a nós, grupo, resolver qualquer pendência por menor que seja, o mais rápido possível. Senão, se agiganta, vira dragão a expelir labaredas e, aí, só Jorge Guerreiro, de quem sou devoto incondicional, para resolver.
Puxando da hagiografia, convém lembrar que Santo Jorge foi soldado romano no exército do imperador Diocleciano. Para muitos de nós brasileiros, e aí me incluo, criados à luz do sincretismo religioso, São Jorge também é poderoso Orixá: Ogum senhor dos metais, deus da guerra, da agricultura e da tecnologia. Como ele, nós também vivemos do improviso, pois muitos dos equipamentos que carecemos usar ou não foram inventados ainda ou são de difícil aquisição.
Mais uma vez, nosso pessoal mostra criatividade ímpar: aparadores de redes para captura de morcegos, abrigos, lonas para proteção de chuva e frio da mata e caixas organizadoras, se transformam em confortáveis recipientes para transporte de serpentes. Há também os terráreos de escorpiões antifuga e mil outras coisas que, ao longo dos anos, tivemos de inventar para que o cuidar das solicitações da população fossem atendidos e nós tivéssemos o máximo de proteção individual.
Felizes, loucos somos. Um bando de Melquieades e de José Arcádio Buendía da surreal Macondo de Garcia Marquez, vivendo bem aqui em nossa Uberlândia. Criando ferramentas e instrumentos de trabalho, recolhendo medos, desmistificando crenças enraizadas sobre vida de nossos bichos.
Ia falar do conferir tempo todo dia, tomei outro rumo. Céu de brigadeiro se abriu e me conduziu em voo pássaro, contrariando a Lei de Bernoulli. Pensamentos não seguem leis da física. São regidos por pura poesia e pirotecnia das emoções. Da previsão de tempo, falo depois, antes de trovejo, prometo.
Em caso de mal-olhado ou emanação de ódio dirigida à minha pessoa ou a meu grupo de trabalho depois de tudo aqui declarado, só me resta reza de proteção: “Eu andarei vestido e armado, com as armas de São Jorge, para que meus inimigos, tendo pés, não me alcancem, tendo mãos não me peguem, tendo olhos não me enxerguem, e, nem em pensamento, eles possam ter para me fazerem o mal. Facas e lanças quebrarão sem ao meu corpo chegar, cordas e correntes se arrebentarão sem o meu corpo amarrarem”. Salve Jorge!
Publicado Jornal Correio 31 de Agosto de 2014