domingo, agosto 17

Sessenta



Raça humana, as gentes do mundo inteiro, desde sempre, por motivos muitos, teve a mania de exaltar ou temer extremamente datas redondas. “Portanto, uma referência: seja para comemorar, enaltecer ou refletir”. Solta, entre aspas, esta frase não é minha.

Aparece desse jeitinho em dezenas de textos, sem fonte, portanto, perdido fico e sem identificação segue. Uma infelicidade no mundo da web em que as autorias se perdem em infinito espaço binário, sem fronteiras, sem dono, sem ética ou, muitas vezes, sem pudor. Eu mesmo já tive vários textos plagiados na íntegra por certo cidadão de mídia sem o menor escrúpulo, mas são águas passadas. De raiva a dó, pena foi pulo ligeiro. O Ministério da Saúde adverte: raiva, mágoa e rancor matam.

Algumas destas esféricas datas recentes: 1910 – Revolução Mexicana; 1930 – Começa a Revolução de 1930 (a vá!); 1940 – É aberto o campo de concentração Auschwitz na Polônia, pelos nazistas; 1950 – Maracanã é inaugurado; 1960 – Inauguração de Brasília.

Em 2000, o mundo ia acabar. Virou nada e aqui estamos. Os “milenaristas” se deram mal. Ah, em 1954, nasci. Mas “peraí”, 54 não é data redonda! Correto, mas a idade que mês que vem faço é: Sessenta anos. Pois sobre isto é que quero falar com você.

Ô datazinha fatídica essa para todos que lá chegam! Pense comigo. Até aos 59 anos, 364 dias, 23 horas e 59 minutos somos pessoas normais. Avance um minutinho. Pronto, viramos terceira idade. Outro dia no trânsito paramos atrás de ônibus. Distraído levantei os olhos, enorme cartaz com grisalhos sorridentes empunhando carteira sob frase, algo assim: Você idoso, tem mais de 60? Junte-se a nós. Carteirinhas ameaçadoras em riste a me convocar: “I want you!” A palavra idoso e os 60 pareciam piscar em neon festivo.

Idosos, passamos a ter vaga especial de estacionamento, filas exclusivas, a pagar meia em inscrições de corridas, concursos, cinema, teatro e afins. Há também descontos na compra de remédios e um monte de coisas. Para uns, são merecidas conquistas em país tão desigual, para outros tantos, pode ser reforço ou retrato de uma realidade falseada. De uma hora para outra, o cabra perde metade de estímulos para adiante seguir e pior, como diz meu compadre Geninho, pode perder metade de sua autoestima.

Deixo claro que me sinto muito bem. Idades e seus encantos próprios. Ouvi de um globetrotter, quando perguntado sobre hora de parar: “When the head says go, and the legs say no!” (Quando a cabeça diz vai, as pernas, dizem não). Em português, não rima e fica meio sem graça, mas é sério. Minha cabeça sempre diz GO! As pernas ainda não gritaram NO!

Comemoremos, pois, cada data redonda de nossa vida. Cada etapa com seu sabor característico, perfume e cor, assim como o antigo “Dulcora”.

“Drops dulcora /A delícia que o paladar… adora/ Quadradinhos embrulhadinhos um a um/ Você quer um? (…)”.
Lembra? Não? Então sua data redonda é bem inferior à minha. Aproveite a alegria de viver sem moderação (alegria desmedida, que fique bem entendido).






Publicado Jornal Correio em 17 de agosto 2014



Sessenta

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