domingo, setembro 21

Quem mexeu no meu queijo?



Engano seu, caro leitor, se pensa que vou falar daquele desenhinho chato para burro de autoria de Spencer Johnson que já vi mais de 20 vezes em várias línguas, até em japonês, confesso que se fosse em mandarim daria para entender o filmete, não o livro.

Ver uma vez, discutir o que representam os ratos Sniff e Scurry, e os duendes Hem e Haw é uma coisa, vá lá. Mas toda reunião, todo treinamento, seja lá qual for o assunto em pauta, lá vêm eles. A única parte interessante e que me prende são os comentários do Coach. Cada um tem uma interpretação do abordado.

Algumas racionais e bem elaboradas – outras, de deixar hipopótamo de queixo caído. Os coachee, ou seja, nós, temos de calibrar nossos filtros de besteirol para que não passem nem pequenas moléculas do produto que querem nos ensinar a acreditar e vender. Falo produto para generalizar, pois pode bem ser algum bem material ou uma ideia. Convencer é uma coisa. Fazer a cabeça, criar maquininhas engajadas em causas e metas que em condições normais não se acreditaria é meio fascistoide. E de Homo reacionarius quero galáxias de distância.Mas e o danado do meu queijo em que andavam a mexer?

Compadre meu, morador em distrito longe em pequena, mas bem organizada chácara, onde produz de tudo um pouco para seu sustento e para presentear amigos. Tem pomar com tudo quanto há de fruta; tem lago onde cria e despesca lindas piraputangas, pacus e tilápias.

Horta de dar inveja nos jardins de Keukenhof, na Holanda e suas sete milhões de tulipas multicoloridas. Três vaquinhas dessa altura, holandesas purinhas que dão baldes e mais baldes de leite ao dia. Córrego passando beirando a casa de varanda larga e vista para a serra. Um pedaço do paraíso para poucos. Este é dele, da esposa e dos filhos que já voaram longe e lá passam fins de semana e férias.

Pois meu compadre é dado a fazer queijos. E que queijo ele produz. Muito Canastra fica no chinelo perto destas obras de arte culinária. Como dizem em Portugal: “É o queijo que faz o queijeiro e não o contrário”.

Toda vinda a Uberlândia faz questão de queijo trazer e, desta última visita, não foi diferente. Muita prosa, alegria de reencontro – dia passou manso. Pousou aqui em casa e seguiu trecho antes de amanhecer. Assim foi.

O queijo embrulhadinho ficou sobre a mesa da cozinha. No avançar da manhã, notei que o papel que o embrulhava estava meio rasgado num canto. Uai! Rato? Há de ser não, aqui não os tem! Pelo menos vistos nunca foram. Desembrulhei e coloquei em prato coberto por alvo pano. Segui. Não demorou muito, passando pela cozinha novamente, percebi que o pano tinha sido arrastado e havia pedaço queijo com parecer de roído.

Tá errado, rato não anda de dia, só se bando for muito grande e fome apertada. Se assim fosse, todos veriam os danados por toda parte. Não era o caso. Experiente em fazer campana para bicho fotografar, montei guarita escanteado. O queijo eu via. Só ele.

Passou mais de hora e nada. Não entrego fácil. Passou mais tempo e eu na tocaia.Do nada barulho de asas batendo e pouso arranhado na janela. Pus atenção. Logo mais asas e mais escorregar vidro abaixo. Num fazer vento que me bateu no rosto desceram sobre a mesa duas lindas, coloridas e muito das brejeiras maritacas. Andar desengonçado por sobre mesa de madeira, com gingado e pios de garganta, avançaram até o queijo e sem cerimônia foram roendo e resmungando. Nunca soube de maritaca comer queijo, mas essas ali estavam para o contrário provar. Peraí! Tomara eu ver suas molecas! Parti para cima delas – em alvoroço e boa mira passaram lisas janelas afora.

Ri de mim, concorrente de queijo agora era maritaca! Só comigo. Pena uma só. O queijo lindo e saboroso tinha que ir para a geladeira. Queijo frio perde gosto.
E, no mais, eu quero é ser gauche na vida, como soprou o anjo torto que vive na sombra de Drummond. Coachee só de poesia, bichos e amores.







Publicado Jornal Correio em 21/09/2014



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