Não tem coisa melhor nesse mundo do que viajar. Poder ser a trabalho ou a passeio, não importa. Quer dizer, importa um pouco sim. A passeio, de férias, o tempo é seu e você faz dele o que quiser. O relógio não fica ali te vigiando, sussurrando o tempo que passa beirando seus olhos e mostrando que os compromissos não serão cumpridos no horário. Férias é férias, nada melhor. A viagem a trabalho, apesar de apertada em fazeres também oferece momentos deliciosamente especiais, principalmente quando você se relaciona com gente de diferentes costumes e sotaques.
Recentemente, na colorida e quente Montes Claros. O pessoal que estávamos a treinar era principalmente da região norte/nordeste das nossas Gerais. Todos com histórias para contar e cantar. Final de tarde, hora de prosa e trocar casos, acontecidos ou não. No campo, durante trabalho também surgiam casos, maneira de amenizar o peso do sol chapado na cabeça e costas, de matar sede sem água, de enganar fome, transformar o aparentemente sofrido em alegre fazer.
Tarde dessas em meio a toras, telhas e entulho, cavando feito tatu em busca de escorpiões, um companheiro de labuta da pequena Pedra Azul – incrustada no vale do Jequitinhonha – se põe a contar história antiga do Vale. O contador no caso era um negro ébano. Três de mim, forte, fala alta. Como diz amigo dr. Thogo, de fazer poema com seu sorriso de puro marfim reluzente. Figuraça! Bom de ficar junto. Apesar do tamanho e ser vociferador, homem de muita paz, sereno. Casado com alemã, conta orgulhoso que seus filhos pequeninos falam fluente alemão com sotaque de mineiro. Seus olhos merejam ao lembrar que toda noite os dois o cobrem de beijos com despedida de boa noite:
— Gute nacht papa, träume von engeln.
De nome Luiz, de Pedra Azul, conta que há muito tempo atrás, certo moço resolveu arrear mula e sair em plena sexta santa. A mãe preocupada implorou que ele não fizessse isso, pois era pecado naquele dia sagrado. Desaforado, o moço esbravejou bufão dizendo que arreava a mula ou até ela, a própria mãe, se quisesse. De raiva assim fez, arreou a mãe e desfilou com ela pela cidade para horror de todos. A velhinha morreu de desgosto.
Não foi nada não. Passado pouco tempo o rapaz também morreu de repente e sua cova ou carneira foi coberta por fios de cabelos brancos que contam ser da mãe, que mesmo humilhada ali se pôs a proteger o filho. Contam também que toda sexta santa, um rapaz muito bonito ronda a cidade à noite. Entra em restaurantes e come por 40 homens e manda a conta para seus parentes, os Antunes.
Os antigos sabem que devem, naquela noite, colocar prato de comida à porta de casa para saciar a fome castigo imposto eternamente a esta atormentada alma. Claro, existem várias versões da mesma história e pelo que vi e ouvi cada um, em Pedra Azul, tem sua própria. Esta foi a que ouvi do novo amigo Luiz.
Então, viajar são várias dentro de uma. Avexe não. Pega a estrada, eterno aprendizado. Essa em particular vai para Murilo Antunes, amigo e grande compositor. E claro, eterno pato“ na sinuca, palavras de Chico Marcos (sem ressentimentos, Murilo).
Publicado Jornal Correio em 23/11/2014