domingo, novembro 2

Vivência



Dor não tem nada a ver com amargura. Acho que tudo que acontece é feito pra gente aprender cada vez mais. É pra ensinar a gente a viver.” Adélia Prado

Perguntaram-me o porquê dessa mania de tanto falar de bicho e de amenidades viventes. Falo de gente também e não é pouco. Porém me dou mais com os bichos e suas graças e trejeitos. São mais equilibrados e nunca falsos.

Já alma humana é como lua, todas têm um lado escuro que nunca é mostrado. Uma banda mora na escuridão e encerra sentimentos mais loucos, frustrações, invejas, olhares turvos. Lá, guardadinhas, estão as maldades que todos negam carregar. Basta estímulo, ataque de ira, para que aflorem como correntes furiosas de mar aberto, pororoca avassaladora que a tudo consome.

Bicho tem disso não. Neste exato minuto, aqui no meu quintal, dedilho ao triste/alegre cantar de sabiá em choco. Soa amargura, tristeza. Não é não. É a alegria triste de ser feliz em soltura. O céu como limite, os filhotes no ninho. Canta para mostrar quinhão de território. Divisas invisíveis demarcam espaço, defendido a bicos e canto.

Bicho não melindra, não julga, não trai. Bicho retrata pureza. E não são apenas os belos que encantam. Os ditos feios, venenosos, perigosos também têm sua graça. Bicho não sai caçando gente para ferroar, bicho não faz malvadeza. Serpentes, escorpiões, morcegos, são tratados como criaturas das trevas, quando na verdade são apenas parte de um quebra-cabeça gigante onde cada ser vivente é parte. Tudo se encaixa, não existe acaso, nem coincidência. O grande desafio de quem quer viver em harmonia e paz é montar este jogo. Cada peça em seu lugar.

O sábio, o humilde, o de coração aberto, acha caminho mais fácil entre peças coloridas ou escuras. Monta ao longo da vida devagarzinho, sem pressa. Os de coração duro, os que jamais mostram malvadezas, se perdem em pouca paciência e, normalmente, abandonam as peças na poeira. Por inveja ou ciúme, desprezam o jogo. Montam um canto de vida e ali se deixam ficar afogados em poças pequenas de mesquinhez e ruindade. Não avançam, não cantam, não sorriem.

Exemplos de gente do bem existem aos montes, mas somem diante da torrente de lama das maldades. Olho de bicho percebe fácil. Sabe onde pousar e descansar corpo.

Dou-me com bichos, com as crianças e com os loucos mansos. Lucidez destes encanta. Perfume de dia nascer, melancolia de sol se pondo. Não preparam surpresas que não sejam as belezas de cada ir e vir. Todos diferentes, cambiantes, suaves, puros.
Falo de gente assim, de alma colorida. Não gasto tinta com iniquidades.

Consomem energia, descarrega vitalidade, desperdício de tempo. Estes dias, encerrou-se período importante no direito, mas triste em si mesmo. Energia negativa circulava por todos os lados, não poupando nem bicho nem gente. Ofensas e brigas pairam ainda em denso espaço. Muita água de cheiro, defumador e acender de velas, para livrar o espaço de tanta deterioração ambiento/mental. Almas conspurcadas, sandice por poder. Este, o cantinho mal construído, pedacinho do quebra-cabeça da vida. Assim, em reza, peço: Livrai-nos de todo mala men! Saravá!







Publicado Jornal Correio em 2 de novembro 2014




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