"Em terra de olho quem tem um cego, errei."
Placa do Barari - Praia de Santa Monica -ES
Colega de trabalho de longa data. Da convivência diária nasceu grande amizade. Inevitável, nosso grupo funciona assim. Sempre sobra tempo para prosa, seja no laboratório, no campo ou em confraternizações. Nestes momentos rola bom churrasco ou galinhada e, claro, cerveja gelada. Consequência? Laços de afinidades que se fortalecem, além do excelente, ponderado e rápido trabalho em atender gente. Saber acumulado em reduzir aflição de pessoas que nos procuram, por conta de um morcego, escorpião, aranha ou cobra.
O cara é uma enciclopédia viva no que diz respeito a futebol. Sabe tudo, assiste tudo. Desde campeonato do Terrão ao nacional das Filipinas ou torneio de peladas dos Montes Urais. Escalações, nome de técnicos, colocação na tabela, situação financeira dos clubes, quem entrou ou saiu. Até nome completo e ficha corrida dos juízes o cara domina. Possui dúvidas sobre futebol ou afins? Consulte o Divino, que tem resposta na ponta da língua.
Sua história de vida, como a de cada um de nós, daria livro. A dele em particular, com passagens hilárias. Nasceu na roça, na roça morou por muito tempo. Freqüentava a escola rural da região. Era traça de livros. Devorava todos que encontrava. A pequena biblioteca da escola ficou ainda menor para sua fome de leitura. Hábito este que carregou até há pouco tempo. Nos momentos em que trabalho não havia lá estava Divino agarrado a um livro. Não sei se continua assim, pois agora o vejo nas paradas fazendo palavras cruzadas. São muitas e muitas. O vocabulário adquirido nas leituras facilita.
Menino de roça, moleque que só, com seus irmãos aprontava todas. Ajudavam o pai na lavoura, mas na hora de brincar nada os impediam de subir em árvore de fruta, roubar galinha de vizinho, passar susto em estradeiro, pitar talo de chuchu, caçar passarinho e nadar no córrego. Vida normal e sadia de menino do campo.
Para ele o mundo era simples, belo e normal. Nada o incomodava. Certa feita, em meio a molecagens, um cisco pousou com força de pedra em um de seus olhos. Imediata escuridão. Tropeçando, caindo e, claro, apavorado, correu buscar socorro junto à mãe, que tomou aquilo por manha, preguiça de carpir roça. Como um cisco em um olho poderia cegar alguém? Larga de finura e toca volta a ajudar seus irmãos! Aos poucos, as lágrimas cuidaram de clarear as vistas. Vida seguiu dura, mas serena.
Meses depois do ocorrido, apareceu por aquelas bandas, na escola, médico à mando da Secretaria de Educação para avaliar criançada. Exame de vista fazia parte. Quando o doutor tampou um dos olhos de Divino, o pânico tomou conta da criança:
— Acode! Tô cego! Gritou apavorado. O médico assustado apurou exame. E não é de ver (ou não ver) que o menino tinha um olho cego de nascença e ninguém notara? Como tinha nascido assim, para ele o mundo era desse jeito mesmo, compensado pelo olho bom. Em casa chegaram a cutucar o globo ocular para confirmar o fato. Não deu outra era assim mesmo.
Em nada atrapalhou desenvolvimento, nem crescimento pessoal. Leva vida normal e, na verdade, enxerga mais com um olho do que muitos com dois. Vê longe.
Com o avançar da idade só um problema vem devagar chegando. Descobriu que está ficando míope. Sacanagem!
Publicado em Jornal Correio de 21/12/2014
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