segunda-feira, julho 20

Camafeu

(Foto: Carlos Nader/GOVSP/Divulgação)

Talvez essa moçada, aqueles que não conheceram bonde – o de Santa Tereza, no Rio de Janeiro, não vale, que não têm a mínima ideia ou, no máximo, ouviram falar de videocassete, máquina de escrever, monóculo com foto, câmara fotográfica com rolo de filme. E, o que é pior, nunca se deram ao prazer de ler clássico de nossa e da literatura mundial. Esses talvez também não devam ter a mínima ideia do que seja um camafeu.

Camafeu vem de longe, séculos antes de Cristo. Encontrado em escavações arqueológicas, pelo visto, sempre foi um enfeite. A realeza egípcia era vaidosa ao extremo, nunca entendi o motivo de só serem pintados de perfil. Bons em invenções e construtores audazes, eram ruinzinhos em perspectiva. Ou, então, pediam para crianças pintarem tumbas e pirâmides como parte do ensino para se tornarem futuros arquitetos. Se foi assim, enganaram a todos que profanaram seus santuários. Doce deboche.

Geralmente, camafeus são feitos em pedra preciosa, trazem delicada escultura em alto relevo. Já foi pingente, mas nossas avós os usavam em seus xales, cheirando a água de lavanda, como prendedores. Existem peças maravilhosas em museus mundo afora.

Década de 80. Em jeep emprestado da Secretaria de Estado da Saúde, cinza, capota de lona rasgada, queimando óleo quarenta, ao passarmos pela então tranquila praça Tubal Vilela, avistamos sujeito vendendo filhote de tamanduá, assim na cara dura. Naquela época, as leis de proteção de fauna, se existiam, ninguém dava a menor bola. Pedi para parar o projeto de sucata e desci cuspindo fogo pelas ventas. Dei uma danada de uma bronca no sujeito. Aí, me contou que matou a mãe para comer e queria vender o filhote, tinha família com fome, vinha de um longe Nordeste. Bateu-me uma vergonha sem tamanho, miséria levou aquele homem a um ato que para ele era normal, só queria, como qualquer um, sobreviver e salvar os seus.

Comprei o bichinho, ganhei um problema. Como todo bom tamanduá miúdo, acostumado estava em ficar agarrado com a mãe. Não deu outra. Já no pegar, o pequenino se agarrou a mim em busca de proteção, carinho e calor. Aninhou mesmo. Adotamos o tamanduá e passamos a revezar no carregar e alimentar. Tereza, colega de trabalho, batizou-o de Camafeu, que ficou conosco muito tempo, cresceu forte, às vezes, gripava, e não tinha cerimônia em correr aquela língua gelada em quem o pegasse no colo.

Dia chegou de deixá-lo ganhar mundo. Debaixo de tempestade de choro das meninas e muito nó na garganta e falta de coragem de verter lágrimas, nós entregamos Camafeu para a Florestal, esta seguramente o soltou em local apropriado. Hoje, já deve ser avó ou avô, tanto trato e nunca olhamos se era macho ou fêmea.

Quanto à máquina, a minha é uma Remington, não o revólver ou rifle, é de escrever, sabendo que palavras são bem mais poderosas do que armas, para não perder a chance de usar um lugar-comum. Vi charge genial onde o pai escrevia em uma máquina e o filho, tipo geração Y, observava fascinado. Eufórico disse: “Pai, que doido, esta máquina é tudo de bom, é só escrever que ela já imprime!”

Sinal dos tempos…






Jornal Correio 19/07/2015



 Camafeu

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