Festa grande, churrasco animado. Não era para menos, estávamos comemorando trinta e cinco anos de formados, Medicina Veterinária – turma de 1980 da nossa Federal de Uberlândia. Claro, nem metade da turma compareceu, mas quem veio apesar do passar de tantos anos continuava barulhento para mais de metro. Parecia multidão. Sexta um Happy hour que foi tudo de happy e pouco de hour, durou horas a fio, noite adentro.
Bom encontrar gente sumida, cada um em canto desse Brasil gigante, roncando é fato, mas deitado em berço esplêndido. Domingo um fantástico churrasco na fazenda de Knychala, onde com fidalguia fomos recebidos. Alugamos van para não preocupar com volta e prováveis excessos. Quase todos com as famílias, minha filha apareceu depois. Acostumada a dirigir na roça, em um pulo chegou para as bandas do Cruzeiro dos Peixotos. Passou direto pois não tem placa indicatória, mas percebeu antes de chegar em Martinésia, virou ligeira. Como não bebe, quando dirige, minha carona de volta estava garantida.
Conheço meu povo veterinário, sair seria um custo, ninguém ia deixar. Saída à francesa lá pelas tantas. Lud filha do compadre Temporal deu um show com o berrante, para amaciá-lo uma dose de conhaque chifre adentro para afinar, pouco uso. Pouco nos chamamos por nome, os apelidos cruzaram os anos, ilesos. Ju, Zé da Bola, Fubá, Carteiro, Gatão, Goiaba, Joinha, Bafo, Barrica, só para citar alguns. Todos com uma história escondida atrás da alcunha. Daria livro, quem sabe um dia?
Berrante afinado a conhaque lá se vai a tocar, relembrando modas e abraços, cantoria. Saudade sendo curada. Regozijo.
Fim de festa, noite alta. Promessa e trato de novo encontro, agora anual. Próximo será na casa de Carteiro, interior de São Paulo.
Na noturna arrumação do que restou da nossa bagunça, óculos esquecidos, chapéu em um canto, botinas e camisetas foram recolhidas. O berrante voltou para a parede da sala da sede.
Brisa fria cortante da madrugada entrava por fresta de janela entreaberta, embalava sono das criaturas. Cortina batia leve. Uma golfada mais forte e o berrante tombou de lado no gancho. Cabeça doendo de ressaca, abriu um olho e tentou firmar as vistas. Meu Jesus, nunca na vida tinham enviado goela abaixo tanta bebida. A garganta ardia em brasa, tossiu forte, mugido descompassado saiu de sua bocarra. Luzes acenderam no alto da escada, fingiu dormir. Alguém desceu, olhou tudo, fechou a teimosa janela. Luzes se aquietaram. O berrante arriscou uma vista. Recompôs-se na alça de couro curtido por tanto uso em cabeça de arreio e costas de peão.
Cabeça ainda doía um pouco. Já recomposto e sem vergonha que só, foi manso no toque até acordar sua paixão, a viola. Estavam de flerte há muito tempo, mas ela orgulhosa, não soltava acorde fácil ao galanteador. Ele nunca perdeu a esperança e sabia que dia mais, dia menos iriam tocar juntos em festa de núpcias. Cavaquinhos e cornetinhas para criar, seriam felizes para frente. Enquanto isso só restava ao imenso chifre artista cantar para sua amada viola “Vê, ali está/ O meu berrante no mourão do ipê/
Vou cuidar melhor/ Porque foi ele que me deu você.”
Chora Zé Fortuna e Pitangueira !
Publicado Jornal Correio em 5 de julho de 2015
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