Juro que foi sem querer. Foi
instinto de pura defesa. Como de costume, distraído estava olhando o
nada. Aliás, quanta coisa tem o nada. Lembra movimento de calçadão de
cidade grande, enxame de abelha jataí quando pronta a levantar voo e
seguir para outra colmeia formar, parece, às vezes, trilheiro de
formiga-correição, mas com a vantagem de não ter, nem fazer barulho, só
um, o bater de ferrão que mais parece crepitar de fogo. Ou, no caso de
nossas abelhas nativas, um zumbido de nota só, acertando temperatura da
morada.
O nada está sempre cheio daquilo que
você quiser. Coisas boas, coisas ruins, alegrias e medos moram ali no
nada. Aquilo que você quer ser muito no nada habita. Aquilo que te
apavora se tornar também ali reside Para apreciar esse canto do
pensamento tem que ter juízo e aprendizado, senão endoida. Dizem que os
loucos riem ou choram sofrido fácil. Verdade é que eles, sem treino ou
guia, descobriram o caminho, a porta do nada. Entram e não saem mais. Um
perigo. Bom lugar para se esconder, mas não abuse, deixe caminho de
volta bem sinalizado
Ah, e desconfie sempre quando perguntar a
alguém o que ela tem e como resposta receber um vazio “Nada”! Aí,
geralmente tem muita coisa oculta doída. Dor, geralmente, muita
dor. Pois lá estava olhando tempo quando vulto bitelo veio em alvoroço
em minha direção. Foi nada não. No reflexo levei a mão e com tapa joguei
longe. Escutei o barulho seco/zumbinsento quicar no chão e rolar feito
bola de gude negra. Parou rente à parede. Encostadinho no rodapé.
Saí do transe de pensamento vazio e
corri rápidos olhos para acompanhar meu desacerto e a acrobacia do
bicho. Besouro grande, mal-humorado que só. Resmunguento como todo
besouro com voo interrompido a tapa ou bocada de sapo. Deitei de pulo
rente ao chão para acompanhar a ginástica do casquento tentando se
aprumar.
Debatia patas em pedaladas ao ar. De
suas costas abria uma parte de suas asas dobradas em canivete em seu
elítrio para dar impulso. Dei-lhe ligeiro peteleco, o que o fez cair em
pernas. Antenas a brandir como se dedos em riste fossem, tonto, mas
valente a me reprimir tamanha violência sem sentido se é que alguma
violência sentido tem.
Evolução, às vezes, deve fazer rascunho.
Besouro não foi feito para voar. Tem tudo contra ele, inclusive a
física, mas teimou, pois do chão saiu um Santos Dumont ou um autêntico
Wright dos coleópteros. A história que resolva este imbróglio. É certo
que seu voar não é muito coordenado, mas se faz deslocar, mesmo que seja
para lugar perigoso. Poucos devem acertar grama serenada e companheira
perto, para então juntar trapinhos e construir toca e prole.
Por esse agora tinha responsabilidade,
causei-lhe permanente intratável labirintite. Preparo canto de jardim ou
vaso grande para que, no tocar de roda, não despenque ou tente novo
flutuar, o que seria desastroso. Se alguém souber de besoura
desempedida, mande sinais. Meu aturdido amigo carece casar, mas não tem
dinheiro nem um centavo na caixinha vi e ele vive literalmente tonto.
Jornal Correio em 4 de outubro de 2015
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