Menino novo antenado com as tecnologias. Esforçado na escola, aluno de Veterinária na Federal de Uberlândia, um dos dez mais conceituados no País. Vida seguia calma e sem atropelos. Um sobressalto matutino mudaria o correr de riacho entre veredas sombreadas, onde o som mais alto que se fazia ouvir era o pulo da cachoeirinha batendo em poço largo e fundo, onde a bicharada estava acostumada a se refrescar e molhar pelos e penas.
Em susto, coração disparado, sentou-se ligeiro, de olhos arregalados na cama. Vozes, milhares delas começaram a conversar dentro de sua cabeça. Sacudiu, bateu a palma da mão aberta na testa por várias vezes e nada. As vozes agora cantavam um sertanejo universitário, talvez o sabendo ser ele estudante de Veterinária, em um querer lhe agradar. Sua vida dali para frente virou um tormento. Dia e noite eram músicas sobre músicas. No começo, lhe apraziam, pois faziam seu gosto musical, mas a repetição sem fim foi lhe cansando, levando-o à exaustão.
Não contou para ninguém sobre o martírio por medo de lhe considerarem louco. Mas as mudanças físicas, de tão visíveis, chamaram a atenção de seus pais. Sorte sua não morar em república como em nosso tempo, pois, se assim fosse, a chance de alguém notar seria mínima. E só em tempo de férias ou feriado prolongado, em casa, atinariam que algo não estava certo.
Se antes falava manso, seu tom de voz agora era outro. Vociferava na tentativa de vencer aquele suplicio musical. Passou a ter sérias dificuldades de aprendizado e relacionamento, escondia-as do mundo em canto escuro de quarto num balançar de corpo frenético. Sofria.
Não atendia os telefonemas de namorada nem dos colegas e faltava às aulas com frequência preocupando a todos. A família se pôs atenta e mesmo contra a vontade do nosso rapaz, conseguiu convencê-lo a duras penas a procurar ajuda médica.
Acompanhado de pai e mãe pegaram rumo ao recurso. Psiquiatra, mãe?! Ah não, vocês também estão achando que fiquei doido? Calma, filho, vai dar tudo certo! Ela, carinhosamente, lhe afagava os cabelos. O pai, solidário, não largava ombro do filho em carinhoso abraço. Sala de espera. Horror dos horrores, tempo não passa. Daí, talvez, acho que já disse isso, venha o nome paciente. Pois haja a bendita.
Finalmente chamados, entraram os três, pois sozinho ele ia não. Exame clínico ligeiro, passou a inquiri-lo com jeito sereno dos especialistas.
— Tem tempo que vem ouvindo estas vozes, estes cantos?
— Pelo amor de Deus, doutor, será que me tornei esquizofrênico? Li muito sobre isso.
— Calma. Mas me diga, tem algum momento que as vozes cessam?
— Bom, quando tomo banho elas me dão sossego, dai penso em só ficar debaixo do chuveiro.
Olhando de um lado para outro cabreiro sussurrou:
— Acho que elas tem medo de água. Pode ser doutor?
— Só no chuveiro elas somem?
— Não. Outro dia resolvi pular na piscina para testar o medo delas e não me acompanharam.
— Tudo bem, mas vamos fazer o seguinte, para continuar nossa conversa será que dá para você tirar esses malditos fones de ouvidos os quais só tira para tomar banho e nadar!?
Jornal Correio 18 de outubro 2015
2 comentários:
Eu aqui lendo em aflição e já pensando no seu filho, moço bonito que vi em uma foto publicada aqui.
Ai que susto! kkkkk....
Não, nada com meu filho. Tudo fruto de imaginação e observação apenas. Falto do que fazer de aprendiz de escritor
Postar um comentário