Já perceberam que certas coisas em nossas vidas empurramos com a barriga até não ter saída? Vamos postergando, inventado desculpas para não fazer algo que sabemos que vamos depender dela. Recentemente, passei por uma dessas. Carteira de habilitação a vencer. Diferente da maioria dos brasileiros, segundo pesquisas, ando na contramão do gosto popular. Dizem que o homem “patropi” gosta mais de carro do que de gente. Dedica aos bólidos carinhos e mimos, às vezes, nunca dispensados a pessoas amadas.
É da natureza, está na genética. Quantas e quantas vezes em prosas ouvi queixas e até choros de homens barbados motivados por um arranhão na pintura do carro. Do jeito descrito parecia que haviam rasgado carro com abridor de lata. Todos em uníssono, “hoooo” de pavor, se levantam e vão lá ver o estrago. Cada um com seu olhar clínico de especialista em lesões a autos. Tanta gente em torno da lataria avariada que fiquei do outro lado sem nada ver. Os comentários ultrapassam o limite da sensatez:
— Um cara que faz uma coisa desta merece prisão perpétua — diz um aos berros.
Outro:
— Se pego o responsável por uma sacanagem deste tamanho esfolava vivo.
Inconformados voltam para a mesa do bar, sei que até o fim da noite só vão falar e beber em luto.
Agora, sozinho junto ao carro, resolvo dar uma olhada no estrago. Chego, olho, reparo, chego mais perto, coloco os óculos, quase encosto o rosto para tentar achar algo que merecesse tamanha revolta. Depois de muito procurar, acho um arranhãozinho do tamanho de beiço de pulga, em canto perto da porta. Perco a paciência. E tento lembrar ao dono do carro que sua esposa está no hospital operada da vesícula! Despeço de turma, sigo a pé.
Nunca fui dado ao ato de dirigir e nunca me apeguei muito a carros. Coisas inanimadas nunca me chamaram muita atenção. Nessas, CNH vencendo, lá vou ver o que fazer mas sem muita pressa. Fico sabendo que tenho que fazer um tal curso de renovação, um tantão de horas de aula com a confirmação digital de presença. Fiz mesma coisa que qualquer um faria, e aí não fujo das estatísticas: Reclamar! Somos mestres nisso e péssimos em atitudes. Mais um jeito de arrancar dinheiro, absurdo, desaforo e por aí afora. Tudo que nos é imposto é motivo de esperneio. Claro, quando vemos o tanto de impostos que nos são impostos é de arrancar os cabelos mesmo, principalmente, quando não percebemos retorno na utilização dos tributos.
Sem choro nem vela, fui lá eu a fazer o tal curso. Resmungando, com cara de poucos amigos, depois de anos me vi sentado em cadeira de sala de aula como aluno. Não foi meu espanto que, logo na primeira aula, comecei a gostar! Obra e arte do instrutor, dono de uma didática e técnicas de motivação natas. Surpreendentemente, não vi o tempo passar e podem apostar, aprendi coisas que jamais acreditava que existissem no trato com o trânsito.
É fato que não vou tomar gosto por dirigir, mas ao fazê-lo daqui em diante terei outros olhares ao que me cerca. Peguei a mão certa e não ultrapassarei jamais meus limites. Sinal verde. Sigo.
Jornal Correio em 11/10/2015
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