segunda-feira, novembro 23

Com “oui” ou com uai





O título aí no alto peguei no Facebook, uma alusão às duas tragédias recentes. Mariana e Paris. Dei uma de químico da observação e deixei decantar os comentários torrenciais que, como o mar de lama da Vale do ex-rio Doce, entupiram as redes, devastando tudo. Pacientemente, esperei a poeira (?) baixar um pouco e me arrisco a dizer o já dito. Não quero entrar no mérito do ranking da tragédia – qual é mais ou menos “importante”. Aqui vão apenas observações minhas que, certamente, vão provocar a ira e indignação de alguns. Sabemos que daqui a alguns dias – e serão poucos – o acontecido em São Bento, assim como lá do outro lado na cidade Luz, não passará de notícia antiga e não comoverá mais ninguém, vamos ser honestos pelo menos com a gente mesmo. Aqui obviamente não me refiro a pais, mães, irmãos e amigos, para os quais a dor será eterna.
Alguém ainda chora os mortos da boate Kiss?

Quantos ainda rezam por Aylan Kurdi? Esqueceu quem é? Aquele menino lindo morto numa praia na longínqua Turquia das “Mil e Uma Noites” – e pelo amor de Deus, não me refiro a nome de novela!
A mesma mídia que traz a tragédia é a mesma que a apaga, substituindo manchete que já não mais vende. Secam o bagaço da dor e o jogam nas nossas caras como se nada tivesse ocorrido.

Mas aqui quero mais é falar ou desabafar. Nunca em minha vida tinha visto um clima tão hostil, tão medíocre. Qual tragédia é mais importante, a nossa ou a deles? Qual a imprensa cobre mais, dá mais tempo à nossa ou à francesa? O tempo de televisão parecia coisa de campanha política, cada um tem de ter o mesmo tempo, nenhum segundo a mais do que o outro. Mediadores? Milhões de brasileiros inconformados. Quem são esses caras que logo agora aparecem para estragar nossa tragédia pessoal? O maior desastre ambiental nacional vai ser ofuscado pelas luzes de Paris? Que absurdo as cores da bandeira da França no Palácio do Planalto! E nós, em “Bleu blanc et rouge” e nem por isso sofri menos pelo nosso doce rio e sua lama assassina.

Não existe um medidor de tragédia, todas são sinônimo de sofrimento, dor profunda. Lágrimas. Uma, a de São Bento resultado de negligência, descaso, usura, ganância. A outra fruto da intolerância, do ódio. Já as vidas perdidas na lama ou na bala são idênticas.

Nós, brasileiros, nos tornamos competitivos até nisso, menos no que realmente interessa. O bem comum que se dane. A clássica frase de que “Mineiro só é solidário no câncer” serve para uma nação inteira, principalmente aqueles aculturados apenas pelas redes sociais, onde o “profundo” é de um reducionismo horripilante. Será que é falta de futebol decente? Sem futebol, sem piloto de fórmula, um de destaque, só restando os gritos de locutor imbecilizado que mora fora do Brasil?

Choro e convido a todos, por ambas as tragédias e por muitas outras já esquecidas. Rezo do meu jeito sempre por todos os Aylan Kurdi do mundo, sejam de onde forem e que se lasque o imbecil ufanismo da miséria, da morte, da dor criado – pelo visto – apenas aqui em nosso País. Somos maiores do que isso.
Termino com frase de minha filha, que, por sinal, se chama Mariana e não é mera coincidência, que escreveu em sua postagem única, pois inteligentemente não ficou dando corda para os sectários da miséria, da abjeção: “A única religião de que a humanidade precisa é o AMOR.”






Escritor e poeta do invisível


Jornal Correio em 22 de novembro de 2015




https://drive.google.com/file/d/0B3a7BJIdLwOhODRUM2JnajdENlE/view?usp=sharing

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