segunda-feira, novembro 23

Vigília

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Como diria Charlie Brown para Snoppy, ambos filosóficos personagens do saudoso cartunista Charles Schulz, que nos deixou há mais de 15 anos, “criador da tirinha “Peanuts”, um dos maiores fenômenos mundiais dos quadrinhos” segundo o jornal “Folha de São Paulo”. Outro dia falei de rede social, mas este infinito mundo de bites, cálculos geodésicos, PHPs, Java, além dos às vezes indecifráveis “vc”, “tb”, “naum”, “fmz”, “ahsuhaisjslaskdjlsk”, nos oferece um mundo novo de oportunidades únicas, basta saber usar.

Bom, mas deixemos para programadores e, principalmente, para educadores o assunto avaliarem e discutir onde tudo isso vai parar, do desenvolvimento de programas ao crescimento humano. Nós leigos nos limitamos a tentar usar de tão rica ferramenta da melhor maneira possível.

Voltando à vaca fria ou aos nossos carneiros, “revenouns à nous moutons”. Na tirinha mencionada antes do divagar, Charlie Brown, sempre pessimista, em suspiro reflete:
“– É, algum dia todos nós vamos morrer, Snoopy.

Ao que fiel escudeiro, o filósofo das banalidades profundas, o cãozinho Snoopy imediatamente retruca:
– Verdade, mas todos os outros dias, não.”

Conto este caso para poder contar outro que ouvi de uma amiga de longe, sem tentar atrapalhar o domingo de ninguém, pois infelizmente falar de morte aqui no ocidente, esta passagem ainda é vista com medo e reservas sendo que assim não deveria ser, como um dia diz Charles Bukowski: “Todos vamos morrer, todos nós, que circo! Isso sozinho deveria nos fazer amarmo-nos uns aos outros, mas não faz.”
Sem mais enrolação cara, ao caso enfim!

Mãe e filho cumprem a dolorosa obrigação de irem a um velório de parente distante, pouco visto, pouca relação, a última vez que toparam em vida o tempo tinha apagado lembrança. Mas fazer o quê, e lá se foram cumprir ritual. O falecido teve vida boa e morreu de morte natural morrida mesmo às vésperas de completar cem anos, nunca tinha ficado doente, nem gripizinha dessas que todos nós pegamos com frequência mesmo após o advento da vacina contra as danadas.

Sua comida foi sempre feita em banha de porco, adorava ovos e carne mal passada. Nunca abandonou sua cervejinha de fim de semana e a pinguinha diária antes do almoço. Para deixar muitos com inveja, morreu, fez a passagem, desencarnou, bateu com as dormindo e em paz. Muito rico, não deixou testamento, a família agora como de praxe ia se desintegrar em brigas pelo espólio do falecido.

Lá pelas tantas, enfarado obviamente, criança em velório é tortura, e não aguentando mais puxou a barra da saia da mãe e cabreiro sussurrou:
– A senhora já veio aqui antes?

Achando que o filho estava confuso com aquilo tudo, pois era debutante em velórios, a mãe diz que sim, várias vezes e tentou engasgada, explicar ao filho o sentido e da brevidade da vida. Mas qual, pergunta veio na lata:
– Então, você sabe se aqui tem Wi Fi. Qual é a senha?

A mãe fechou a cara horrorizada e disfarçadamente, mas rosnou:
– Respeita o defunto…

O menino com sorriso estampado no rosto, não se conteve, rumorejou eufórico:
– Tudo junto, mãe!?







Jornal Correio em 22 de novembro 2015





Vigilia

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