quinta-feira, janeiro 3

Preceitos diários




Sou exageradamente dado a reflexões. Pode parecer bobagem, mas não tem uma manifestação a meu redor que eu não busque um motivo, uma razão para tal. Só as gentes humanas com suas posturas já deveriam preencher meu tempo, pois tenho por sistema levar grande parte dos acontecimentos do dia para cama comigo.
Por que tal pessoa age assim com tanta maldade acumulada?
Por que a figura atropelou propositalmente aquele gato?
E assim vai. As reflexões que demandam tempo prefiro levar para o leito. O silêncio da noite nos permite ir mais longe.
As reflexões leves do cotidiano me trazem paz. O motivo do canarinho tanto cantar, o céu de um azul deslumbrante, cada fruto de nossa horta colhido em movimentos ritualísticos de agradecimento. Estes e tantos outros reverberam em belas auroras boreais em pleno trópico, brilham como o mar ao nascer do dia em puro ouro líquido.

Temos um calendário da Seicho-No-Ie, presente de alguma amiga para minha companheira de caminhada.
Só, pois ela está em viagem, já me sinto mais pele, propenso a introspecção. A solidão assim é tão pesada...Virei o calendário para o dia de hoje e assim encontrei:

"Não há ninguém que seja pobre na infinita abundância da natureza."

"Havia muitas flores brancas em uma árvore velha e isso era muito bonito. Além disso, uma fragrância maravilhosa vinha dessas flores e se espalhava por todos os Lugares ... Que abundante riqueza permeia a natureza! Apesar de estarem envolvidos nessa abundância, as pessoas pensam que são pobres ou se sentem solitárias."
Seicho Taniguchi, Junsui Ni Ikiyou

Tão apegado ao pensar nunca havia me feito a pergunta maior sobre o rolinho que girava todo santo dia, talvez pelo fato de ainda, como os hamsters, acordar por etapas. Quem os tem ou já os teve, sabe do que estou falando. Mas o que é a Seicho-No-Ie? Lá me pus a buscar resposta direta sem rodeios e assim encontrei:

"É um ensinamento de amor que prega que o ser humano é filho de Deus, que o mundo da matéria é projeção da mente e, também, nos revela qual é a nossa verdadeira natureza. É uma filosofia que transcende o sectarismo religioso, pois acredita que todas as religiões são luzes de salvação que emanam de um único Deus."

Perfeito para mim, pois pego gomo doce de todas as religiões sem praticar nenhuma. Já lhes disse gnóstico em outras escritas.

Assim, segui para o outro ritual do dia a pensar no que li;
“Não há ninguém que seja pobre na infinita abundância da natureza.”
Não quando foi escrito, mas não serve mais para nossos dias, onde vivemos o destruir gradual de tudo que vive. Destruímos florestas, secamos rios, rasgamos a terra em desmesurada ganância. As poucas leis que seriam para proteger as espécies viventes vão caindo uma a uma, em dominó de negociatas espúrias, a beneficiar meia dúzia de pouco pensar.
Sim, estamos cada vez mais pobres, miseráveis de vida, no que depende a “infinita abundância da natureza.”
Último recurso para alguns de nós é defender causas que não queremos acreditar perdidas e repetir o jargão "a natureza encontrará seu caminho". Acrescento que para tal, careçe eliminar a raça mais nociva sobre a terra, nós humanos.

Continuando, "Apesar de estarem envolvidos nessa abundância, as pessoas pensam que são pobres ou se sentem solitárias."
Não meus queridos, estamos pobres sim, estamos solitários mesmo juntos. Olhe ao seu entorno e repare o que já se perdeu e não retorna nunca mais. Não apenas matéria, mas emoções, sentimentos, amores.
Não me levem por pessimista neste último texto de um agonizante 2018. Tento apenas trazê-los a minha companhia em reflexão maior, de criação, de reconstrução de sentimentos e ambiente. Desejo sim, para todos, um ano novo de muito repensar. Façamos um trato. Plante uma árvore. Se não der cultive um vaso. Se não der regue as plantas do vizinho. Se não der, ...Vai dar! Somos os tutores do planeta. Vamos fazer nossa curta viagem prazerosa e mais leve. Ainda há tempo! O muda, mas é um simples virar de página, como os preceitos diários.
Feliz Ano Novo de coração a todos! Virem as páginas do que estar por vir com carinho e atenção


Publicado em Diário de Uberlândia em 30 de dezembro de 2018 ( Último texto do ano)




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