domingo, março 4

De Rosa e Cárceres

Por Lia A. Falcão

"O mais importante e bonito do mundo é isto; que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou..."
João Guimarães Rosa


Sou descaradamente cativa desse trecho de 'Grande Sertões' de Rosa. A afeição por este gênio - que não me atrevo a chamar regionalista, posto que universal como só ele soube ser - é herança de meu pai e, talvez por isso, eu a tenha guardada entre tantas outras afetividades extraordinariamente hereditárias. A coleção, em papel-bíblia, não sai de minha cabeceira e, apesar do tempo, continua novinha em folha.

O conteúdo, tesouro verdadeiro. Viagens bárbaras que me acompanharam e acalentaram muitas noites de insônia até hoje e, com as idades, foram tomando vida própria, assumindo outras conotações, contornos vários, atrevendo-se a me encantar com novas matizes e paisagens inusitadas.

Assim como a própria vida, as idéias do autor continuam atuantes e dinâmicas, interagindo, movimentando-se: correm rios, gritam ecos, declamam poemas, reclamam dores e me aquecem a alma.

Ora afinamos, ora desafinamos. Mas nunca, nunca chegamos ao fim.
Verdade maior.

As idéias de Rosa, de Nietzsche e de tantos outros realistas pressupõem convicções como cárceres, pois as entendem avessas a mudanças e a novos paradigmas.

Com alegria, constato que as transformações constantes causadas pelo vício da leitura e pelo prazer curioso do conhecimento via Literatura, nos fazem menos néscios, menos beócios, menos velhacos e menos canalhas. Nos transformamos exatamente naquilo o que deveríamos ser - mais humanos.

Negar-se a essa experiência é tornar-se estático, é congelar-se ante a dinâmica vida que nos encerra. E toda estática – seja histórica, geográfica, filosófica, psíquica ou emocional – antecede ao último cárcere - o cárcere da estagnação.

E isso é o fim.


* Lia A. Falcão, matuta de interior pernambucano. Nascida à bordo de avião decadente. Cidadã dos ares. Nefelibata e Antropófaga. Adora políticos de fina reputação e sogras grossas ao ponto.

Publicado em Clube dos Cronistas Cotovelares

Um comentário:

Anônimo disse...

Uiuzim,
gente prodigiosa encantamundo. tu.
gente encabulada dezinfeliz. eu. meu abraço sempremente.
Lia