quarta-feira, maio 14

Campo-santo



A recente discussão sobre a localização do novo cemitério me fez lembrar de duas grandes obras literárias. Uma delas, a obra-prima de Gabriel Garcia Márquez "Cem anos de Solidão" e a outra de nosso genial Érico Veríssimo: "Incidente em Antares". A primeira nos remete ao lado surreal do acontecimento e a forma como vem sendo tratado. Quem acidentalmente der de encontro a um caloroso debate sobre o assunto pode pensar se tratar de uma questão de Estado ou de um profundo confronto arqueológico tamanho alguns disparates recitados por recém-constituídos e auto-proclamados especialistas em implantação de novas necrópoles. Até o Aqüífero Guarani, em seu profundo, silencioso, frio e manso existir foi envolvido no debate. Mas a mobilização maior parece ser sobre a futura localização do campo-santo.

Embates políticos à parte, o que me chama a atenção é o exercício de futurologia sobre a provável reação da população. Particularmente, não acredito que haja tanta polêmica assim, porém alegam alguns que outros alguns não querem um cemitério nas proximidades de seus bairros, de suas casas e que não foram sequer consultados sobre este e tantos outros frágeis argumentos do gênero. Quanto a isso me ponho a pensar: do jeito que alguns vizinhos andam barulhentos, agressivos e mal-educados não seria um prêmio, uma bênção, ter a paz e a tranqüilidade de um cemitério como condomínio vizinho? Será que, em tempos de viventes bem vivos tão perigosos e ladinos, ainda temos medo de assombração? Ou como ocorreu na Antares de Veríssimo seria medo dos mortos?
Medo de imaginar que, por algum motivo, mesmo que não necessariamente uma greve que impedisse os coveiros de trabalhar ou uma repentina falta de sepulcros disponíveis, se aqueles passassem a vagar pela cidade, remexendo a intimidade de parentes, amigos e aqui em particular dos que deles mortos gracejam? Ou talvez quem sabe, queiram alguns transformar nossa bela Uberlândia em sombria, isolada e chuvosa Macondo e que nós, como personagens de Garcia Márquez, passássemos a carregar às costas não apenas lembranças e saudades, mas também os ossos de nossos antepassados?

Debate sim. É saudável e só faz bem. Mas senhoras, mas senhores, um pouco mais de respeito ao descanso eterno dos que se foram não prejudicaria a ninguém e acreditem: o respeito aos vivos também traria muito conforto às nossas já tão sofridas almas e mentes e nos livraria do mal, amém, de certas discussões vazias e que não raro beiram o nonsense.




Jornal Correio
Opinião do leitor
14/05/2008

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