domingo, junho 21

Vizinhos

Parafraseando o mestre Vinicius de Moraes em seu "Poema Enjoadinho":

“Vizinhos... Vizinhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos como sabê-los?”

Se depender das últimas trágicas notícias envolvendo os que moram ao lado é melhor bem sabê-los.

Os preceitos da boa vizinhança vêm de longe, de tempos paleolíticos. Atualmente, a grande dificuldade não é ter vizinhos, mas, sim, aprender a conviver com eles. A vida em grupo nos empurrou para esta forma antiga e claro, necessária, de convivência. Boa ou ruim, sempre dependerá do grau de tolerância de cada um.

Assim como existem pessoas maravilhosas e com as quais adoramos compartilhar rua e prosas, sempre existirá o tal vizinho da música alta, o do cão que não para de latir. Vizinho de onde exala magnífico cheiro de churrasco e que nunca o convida a compartilhar. Sempre haverá o vizinho torcedor de outro time a infernizar com seus foguetes de vitória ou palavrões de derrota. E o pior deles, aquele estranho, eternamente mal-humorado com o qual a menor chance de contato inexiste. Cabe a cada um de nós gerenciar esses conflitos da convivência tornando o existir pelo menos mais agradável, principalmente se o esquisito for proprietário, pois sabe-se lá até quando ele ali permanecerá.

Os estopins andam curtos, em parte por causa das agressões do cotidiano, da loucura social a todos imposta.

Pequenas coisas acabam em desavenças. Um pé de abacate desgalhado, folhas na calçada, aranzé armado. Mas o bom e cordial trato ainda é de longe bem melhor do que a rusga e o mal viver. Um sorriso ou um abanar de mão possuem um poder de aproximação imensuráveis e não custam nada.

O vizinho parede e meia se torna quase da família e, por mais moucos que seus ouvidos se façam, sem querer, acaba participando de conversas alheias e até tomando partido.

E como o homem da caverna que, seja por caça ou companheira, eventualmente se atracava com o contíguo de morada, hoje nos vemos, se não forçados, impelidos a pelo menos nos relacionar melhor com quem por obra do acaso se instalou do outro lado do muro.

A arte de conviver com vizinhos. Se este livro fosse escrito seria um bestseller. E não vamos querer nos remoer de remorsos ao ouvir no rádio ou no mp3 novamente o poeta, desta vez com seu parceiro Toquinho, cantarolar:

“O meu vizinho do lado
se matou de solidão,
ligou o gás o coitado,
o último gás do bujão...”





No Jornal Correio 21 de junho 2009

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