domingo, agosto 21

Agosto




Popularmente o mês de agosto é conhecido na crendice como o mês do azar, das coisas ruins. Muitos evitam até casar neste mês de seca, vento e pó. Agosto, o mês do desgosto, dizem aos quatro ventos. Casamento em agosto é fadado a durar pouco e acabar em briga feia. Aqui, um segredo pessoal: casei-me em um agosto há 30 anos e nossa vida vai muito bem, obrigado. Será a exceção que confirma a regra?

As bruxas geralmente fazem suas convenções anuais em agosto. Para deixar claro e apagar qualquer dúvida em relação a superstições, repito dito galego:
No creo en brujas, pero que las hay, las hay”.

Talvez a maioria das pessoas ache o mês feio, pois em grande parte de nosso país não chove, as folhas caem, os pastos secam e um aspecto de abandono toma conta da natureza. Falso abandono, pois a beleza oculta em tanta poeira, notada por poucos, esconde um descanso, um adormecer importante para a vida.

Para agravar ainda mais a pecha de mês dos horrores, dizem as más línguas que é em agosto que acontecem maior número de acidentes aéreos, rompimento de namoros, quedas na Bolsa de Valores, tragédias marítimas e quebras de ovos indez.

Não posso garantir que nada disso seja verdade, mas, hora dessas, vou atrás de tais números. Não devemos nos esquecer da fatídica Sexta-feira 13, de Agosto. Essa é pesada.

Uma coisa é real, não apenas em agosto, mas em todo período da seca, o aumento das doenças respiratórias e outras doenças virais encontram caminho aberto para se mostrarem mais ativas. Com a falta de chuva, vem o frio e os índices de umidade caem a níveis alarmantes. As pessoas tendem a ficar mais aglomeradas facilitando a propagação das “ites”: conjuntivites, bronquites, faringites e por aí afora.

A mão humana ajuda a piorar o quadro com criminosas queimadas. Não consigo entender este prazer mórbido de atear fogo em qualquer moitinha de capim seco. A psiquiatria talvez explique.

Mas o verdadeiro motivo dessa crônica é outro. Agosto é também conhecido como mês do cachorro louco, da raiva.

Aqui em Uberlândia, desde 1983, a Prefeitura Municipal assumiu o controle da raiva animal e com afinco se dedicou a levar informação e, anualmente, desencadear campanha que se tornou modelo de vacinação de cães e gatos, tanto na zona urbana quanto na zona rural. Um trabalho digno de admiração e respeito.

Resultado: o último caso da raiva foi diagnosticado em um gato, em setembro de um longínquo 1987. Desde então não se viu caso da doença. Dezenas de turmas da nossa Veterinária formaram sem ver um caso sequer. Diferente do nosso tempo em que nos deparávamos quase todo dia com um bicho doente. Muito a comemorar.

Neste ano, fato inusitado: após toda campanha preparada, pessoal imunizado e treinado, fomos informados, assim do nada, de que não haveria vacina disponível. O município fez gestão no Estado e no Ministério, mas nada de concreto, ninguém soube fornecer informação correta para tal fato. Ficou uma sensação de que estávamos sozinhos com nossos problemas. É inaceitável situação como esta. Pior é ouvir de alguns epidemiologistas de gabinete que, estando Uberlândia em situação confortável, pode esperar um tempo, pois não é prioridade deles.

Hora, esta situação confortável se deu exatamente em razão do trabalho sério, devotado e contínuo do município ao longo de anos, que pôs sob controle esta fatal doença

Se ficarmos um ano que seja sem realizar vacinação, corre-se o risco de retornarmos à estaca zero e vermos a doença voltar a ameaçar nossa gente. Uberlândia cumpre rigorosamente seu papel de maneira brilhante e comprometida. Resta agora aos outros níveis de poder fazer chegar não apenas a nós, mas a todo o Brasil o mais importante.

Sem vacina, senhores, a doença volta a bater às nossas portas. Não, não estou sendo alarmista, mas a experiência adquirida ao longo de quase três décadas dedicadas à saúde coletiva me permite arriscar triste palpite. É sabido que ninguém quer isso nem mesmo os que, de longe, fazem de seus relatórios e mapas instrumentos de trabalho e bolas de cristal.

Puro exercício de futurologia de quem não está acostumado com o pó, os caprichos e carrapichos do campo, pois distantes estão do dia a dia da lida. Também é certo que ninguém espera milagre deles, mas, pelo menos, respostas claras que justifiquem esta falha e, principalmente, previsão de quando a normalidade se instalará.

Assim, poderemos programar nosso trabalho e dar uma resposta convincente para a população, que tem o direito a este serviço e acredita nele. Será que a nossa prefeitura terá que se sujeitar à ganância de laboratórios não oficiais, que, aproveitando o momento, elevam os preços de seus imunobiológicos?
Será que estes mesmos laboratórios em gesto de solidariedade não poderiam doar estas vacinas, pelo menos neste ano? Será que estou dando um crédito muito grande a ponto de ser ingênuo propondo tal ato? O tempo dirá.

Mas tudo tem prazo de validade,nada dura para sempre, até a mais dura das secas, pelo menos por essas bandas. Logo aos primeiros pingos, como por milagre, uma explosão de vida e cor surgirá a olhos vistos. O pasto seco brotará da noite para o dia, a mata se vestirá novamente de flores, folhas e vida. Sementes que ao solo pareciam condenadas lançarão seus brotos em busca de sol e céu. A vida mostrará seu vigor e sua capacidade de regeneração e eternidades. O mês de agosto e todas as crendices que carrega se vai e, aparentemente, tudo voltará ao normal aceitável.

A natureza pode até se vestir em cor, mas as perigosas sequelas de não se fazer uma campanha de vacinação contra a raiva podem até não aparecer de imediato, como também podem nem aparecer. Em saúde pública, a continuidade das ações é tudo. Voltamos a viver sob alerta máximo.

A população muito em breve começará a cobrar o que lhe é de direito e com razão, pois foi para isso que tanto nos desdobramos, para que se conscientizassem da importância de se vacinar seus cães e gatos. Vai cobrar de quem? Será que contar para eles sobre ministerial norma técnica é suficiente?

Que os céus nos protejam e não aconteça nenhuma tragédia. Não faltarão dedos a apontar culpados e o município corre o risco de se tornar o vilão da história, mesmo não tendo culpa nenhuma no cartório. O mal já estará feito e o fruto do trabalho de uma vida, atirado aos lobos. Se a demora em resolver tão grave problema persistir, poderá ser tarde demais. Corremos o risco de repetir a triste frase escrita por Camões em seu famoso livro “Os Lusíadas”, quando da descoberta da morte de Inês de Castro: “Aconteceu da mísera e mesquinha, que depois de ser morta foi rainha”, em outras palavras: “Agora é tarde, Inês é morta”.








Publicado no Jornal Correio nos dias 21 e 22 de Agosto de 2011




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