Foto Jornal Correio
Peço vênia. Em trecho de crônica recente aqui no CORREIO, tive a infelicidade de não falar muito bem de meu sentimento pela caminhada. Hoje, um mês depois de obrigatoriamente aderir a esta modalidade de atividade física, vi que estava redondamente enganado. No começo penei. Procurava companhia e nada. As vezes que caminhei com alguém a coisa mudava de figura, o tempo passava ligeiro e prazeroso, mas sozinho, no começo era um suplício.
Mudei de ideia. Caminhar é um exercício de primeira linha e democrático, pode ser feito em qualquer lugar. Descobri os segredos ocultos da caminhada solitária. Além de exercício saudável, é momento especial de levar boa prosa com você mesmo. Sonhar novos planos, ter novas ideias, criar novos projetos.
Um exemplo: estávamos eu e parte de minha equipe presos a um dilema no que se referia à dinâmica de população de escorpiões e introdução de novas espécies em nossa cidade em um sítio de pesquisa aplicada onde desenvolvemos todas as técnicas que, com sucesso, aplicamos no campo aqui em Uberlândia. Numa andança descompromissada dessas veio a luz – e um grito mudo de Arquimedes de Siracusa. Consegui desenhar mentalmente toda a aplicação do experimento. Se tudo der certo, será testado já no mês que vem.
Caminho principalmente no meu bairro e no Parque do Sabiá, aliás, lugar de minha preferência: é lindo, bem cuidado e oferece prazer e segurança aos usuários. Oferece ainda o prazer de ver gente, muita gente. Recomendo a quem nunca foi que vá e não deixem de, após suar a camisa, tomar um coco gelado, você volta para casa novo e feliz. Caminho no clube que é muito bom também, pois ali sim sempre tem companhia, mas o Sabiá é hors concours.
Mas caminhar também pode ser uma aventura animal, principalmente quando se ganham as ruas em busca de qualidade de vida por meio da forma física.
Outro dia, uma surpresa: ao passar por um terreno vago senti sobre mim rasante de ave grande e brava, o boné quase foi embora. Curioso, saí à procura do gigante alado. Na realidade nem gigante nem tão bravo: apenas um casal de quero-quero a proteger filhote. Emociona e leva o pensamento longe tamanha dedicação. O que será que fez esse casalzinho se instalar em local tão estranho? Não sentirão falta da roça? Visito-os sempre, acostumaram-se comigo. Sentirei falta quando o filhote ganhar idade e for embora.
Outros momentos de caminhada podem ser considerados adrenalina pura. Cães soltos. Nunca se sabe o que se passa na cabeça deles. Por várias vezes correram atrás de mim, me obrigando a galope, ainda não estou preparado.
Dia desses, já no fim do bairro, beirando o mato passei por uma casa onde um imponente pit-bull bateu o peito no portão a latir. E se esse dando de portão rompe com a força que tem?
Olhei para um lado, olhei para outro, não havia uma árvore sequer para que pudesse correr e subir, braquiária pura a perder de vista. Seria mato adentro quebrando guatambu no peito e, se desse sorte, sairia com no máximo uma batata da perna a menos. Passo nessa ali mais não.
Os efeitos benéficos de meu novo lazer se fizeram mostrar em pouco tempo: emagreci e o famigerado triglicérides foi dominado. Caminhar é se ver por inteiro. Relembro o poeta sevilhano Antonio Machado: “Caminante, no hay camino, sino estelas en la mar/Caminhante, não há caminho, somente sulcos no mar”.
Publicado no Jornal Correio aqui em pdf
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