quarta-feira, novembro 2

Prédios






Tenho por costume ler dois jornais diários, nosso CORREIO e a “Folha”, em que, particularmente neste último, sempre me deparo com quantidade incalculável de novos lançamentos de prédios em páginas inteiras estrategicamente colocadas, muitas vezes entre reportagens de grande interesse, de forma que ninguém passe incólume por elas.

Não que isso me aborreça nem um pouco, pois a possibilidade de um dia morar na capital paulista é a mesma de algum dia ter dinheiro suficiente para adquirir um desses imóveis que, pela descrição no jornal, mais parecem um clube exclusivo. Várias piscinas, minicampo de golfe, sala de fitness, bosque privativo, um pouco de verde, que em Sampa deve valer milhões. Pista de caminhada, área de churrasqueira, salão de festa e de beleza, serviço de quarto como em um hotel e a tal segurança 24 horas.

Segurança absoluta e impenetrável, alguns se vangloriam de serem tão inexpugnáveis quanto Fort Knox, o prédio do Tesouro americano, onde é guardado o ouro do mundo.

A ideia de morar por lá jamais passou por minha cabeça e, mesmo que eu venda o pouco que possuo e empenhe a alma para o coisa ruim, seria capaz de arrecadar milésimo do montante para comprar uma vaga em um desses shoppings de moradia. A não ser que algum parente desconhecido, distante e rico, tenha morrido na epidemia de gripe espanhola de 1918, cuja fortuna administrada em banco suíço, tenha deixado em testamento a incumbência a este de, mesmo que demorasse século, encontrar herdeiros legítimos e, após exaustiva busca, tenha me encontrado numa longínqua e exótica América do Sul.

Ou quem sabe, algum tio-avô ou um primo perdido na árida estepe russa, berço de minha família por parte de pai, que durante décadas e duas gerações sobreviveu com sobrenome fictício para fugir à perseguição de 1917. Recurso muito utilizado à época pelos hebreus, pois o povo de origem judaica foi perseguido e assassinado sem dó nem piedade pelo regime bolchevique. Caso este parente, após a queda da União Soviética, tenha ficado trilhardário com negócios de petróleo ou algum ramo da máfia russa, a Bratvae, redimido, venha tentando reencontrar família de sangue espalhada pelo mundo para distribuir sua riqueza infinita.

Como podem notar a probabilidade de algo assim acontecer é menor do que aquela da propaganda de refrigerante em que o cara tem problema no motor de seu carro, no meio do nada e, desse mesmo nada, surgem duas deusas em beleza e curvas a lhe acudir. Ou seja, nem por milagre nessa minha horta chove. Bem que gostaria de ser encontrado por parente com os bolsos forrados e receber de presente alguns milhões. Mas uma coisa é fato, jamais investiria um centavo para morar em gaiola de ouro em São Paulo. Sem chance. Admiro quem tem coragem de morar em apartamento. Deve ser o rei da tolerância, paciência e da obstinação. Mas não é a minha praia.

Moro em rancho na roça, mas de prédio fujo. Sem céu sobre a cabeça, sem quintal, sem pé no chão, fico de jeito algum.

Mas o que me deixa extremamente intrigado mesmo a cada jornal aberto é: Será que ainda tem espaço livre naquela cidade gigante, barulhenta e com cheiro de fuligem para construir mais alguma coisa? Na toada que vai, muito em breve a cidade de São Paulo descerá a serra e será mais uma capital beira-mar, com praia, mas sem gente bronzeada.





Publicado no Jornal Correio em 1º/11/2011
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