domingo, janeiro 27

Raios




Nada mais estranho do que o comportamento humano. O novo ano começou com gosto amargo de alívio e sufoco, e isso já vinha de longe. O tal fim do mundo marcado pelos maias não ocorreu. Pelo menos por aqui. Correu à solta nas redes sociais que, mesmo acontecendo em data e hora previstas, não nos afetaria e seria cancelado na última hora, pois “o Brasil não teria estrutura para um evento desse porte”. Ainda mais enquanto os recursos escoam ralo abaixo em preparação para copas de futebol. Nem se quiséssemos sobraria dinheiro para financiar a hecatombe derradeira.

Alguns se mobilizaram em aguardo do juízo final, buscando conversão em religião ou seita. Outros se enfiaram em dívidas, tipo assim, eu vou, mas vou devendo. Imagino a frustração e sufoco dos dois grupos. Deve ter muito pregador pregado de tanto correr e devedor correndo para não ser pregado.

O medo dá asas, já dizia Goscinny e Uderzo em uma de suas geniais histórias – “Asterix e os Normandos”-, em que um grupo de vikings desembarca na Gália com o objetivo de conhecer o medo por pensar que este os faria voar. O medo ou um energético, se asas criam, é na imaginação de quem os sente ou ingere. E, assim, milhares de pessoas, por receio ou deboche, só falavam de 21/12/2012.

Aliás, o fatídico dia deu as caras com um belo amanhecer, mas que logo virou para chuva, branda, é fato, entremeando o céu com seu azul anil.

Pois não é que nesse dia começou um pequeno calvário particular, mas que logo se tornaria coletivo?
Em férias, sem muito que fazer, cedo acordo. Talvez para ficar mais tempo à toa, talvez o costume tenha me puxado da cama mesmo ainda no escuro horário de verão.

Férias sem viajar. Não se desliga da rotina. Os telefones te chamam, os problemas de trabalho rondam sua porta e espiam por sobre seu ombro, não se tem descanso verdadeiro, fadiga companheira.

Por volta das oito e pouco, do nada, em imenso estrondo e clarão. Poderosa descarga elétrica proveniente de um raio se fez ver/ouvir. Quem estava na rua viu correntes em luz percorrer fiação de postes. Alguns a viram em tomadas. Uma vizinha, da janela de sua cozinha, se espanta com a intensidade da luz emanada por sobre as copas das árvores.
Começou o fim do mundo. Bem que podia ser a preliminar do tal, mas qual, foi em nosso humilde entender um raio que na rede elétrica caiu, percorreu caminhos à procura de terra e achou trajeto em inúmeras casas. Televisores, portões eletrônicos, aparelhos de DVD, centrais de alarme, liquidificadores, roteadores e outros tantos, em coisa de milésimo de segundos, fritaram placas e fios.

Segui cartilha. Liguei para a companhia elétrica, notifiquei o ocorrido, pelo menos em parte, pois, como não sabia os modelos de alguns equipamentos, a “simpática” atendente simplesmente negou registro. Foi o assunto da rua. Mesmo contabilizando prejuízos, a descrença nas instituições em um primeiro momento, fez muitos não registrarem o fato. A empresa elétrica dias depois enviou carta dizendo que não teve culpa no cartório, não é problema dela. Mobilizei vizinhos a registrarem o sinistro e com ajuda de empresa virtual de defesa do consumidor, a “Reclame aqui”, estamos reunindo dezenas de casos como o nosso. Vamos longe com isso. Depois conto o resultado. Exercer cidadania pode ser cansativo, mas se não o fizermos, quem por nós fará?


Publicado no Jornal Correio em 27/01/2013










Nenhum comentário: