Contam – discordo frontalmente – que quando começo aula, palestra, apresentação, nunca respeito o tempo a mim conferido. O número de caracteres que disponho para compor esta coluna, às vezes, me aperta. O gostar de escrever é culpado. Quando me ponho a caso contar me transporto para dentro dele. É prazeroso.
Assunto me pega em voo solo e manso, esqueço e sigo em frente. Quando vejo, prosa ficou imensa, corro a revê-la para caber direitinho nesta parte que cabe nesse diário que tão generosamente me acolheu. Se tenho, por exemplo, que escrever um capítulo inteiro de uma publicação inicialmente travo. Vejo-me perdido inicialmente naquele mundo de espaço em branco. Bicho pega.
Gosto de começar a escrever à noite. Barulho só de grilo, pio de Urutau, grito de coruja.O vento misturando as copas de minhas árvores é música e inspiração. Não tem telefone, vozes humanas nem barulho de rua. Vez ou outra sirene longe. Polícia, bombeiro ou ambulância? Me disperso em pensar tragédia ocorrida. Tomo litros d’água, detesto café. Sigo adiante como Maria Fumaça. Patino em trilho de ferro, rodas vão em reverso, vapor para todo lado. Caldeira quase em ponto de explosão, solto a manivela devagar. Ideias passam como paisagem, começo lentas, bem distintas. Vejo braço erguido de moleque em adeus sem dono, vejo o olhar calmo de gado.
À medida que pego velocidade, visões se misturam. Serra e mata se tornam um só, riacho transforma-se em mancha azul de aquarela, túneis passagem em flash de lambe-lambe. Escuro/claro/escuro/claro. O som do apito passa por minha janela em risco reto. De locomotiva rangendo em ferro e parafusos soltos a trem bala. Não existe mais nada lá fora. Um vazio externo me cerca e afundo todo em texto. Em freada brusca volto ao mundo.
Ministrando treinamento. Quatros horas a mim conferidas em dias alternados. Avançamos hora de almoço adentro, o intervalo quase não existiu e ainda ficou coisa para debater. Culpa minha? Não senhor, não senhora. Quando se percebe o envolvimento das pessoas não tem medição em hora, a conversa flui solta. E se não tem mediador vai longe mesmo.
Congresso em Gramado (RS). Minha apresentação tinha 20 minutos, segue tranquila. Do nada uma plaquinha é deixada à minha frente nela assustadora mensagem: “Cinco minutos.” Toquei. Outra placa: Tempo esgotado. Aflito, pois nem meus slides havia mostrado, pedi desculpas e saí.
Ministrada aula teórica pela manhã, em algum lugar do Brasil, partimos para prática de campo à tarde. Prática bruta de captura consome força física. Sol de rachar. Solicitam-me uma aula na Faculdade de Medicina à noite. Aceito com prazer, e aviso aos companheiros que dali à uma hora estaria de volta para jantarmos. Três horas depois, volto. Claro que todos já tinham jantado e aos risos confirmaram que nem me esperaram. Haviam apostado que eu não conseguiria falar apenas uma hora. Mas a turma era interessada, como parar?
Os adoro, mas naquele dia comeram sanduíche e nós, deliciosa moqueca com camarão graúdo. Pronto, tirem suas próprias conclusões que o espaço aqui estourou.
Publicado Jornal correio em 5/10/2014 (dia de eleição)
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