Domingão. Sol quente, céu limpo. Barulhada de passarada não deixa ficar muito tempo na cama. Cada um querendo mostrar seu canto, seu pio, seu grito, mais alto do que o outro. Tamanha algazarra que das duas uma: ou infensa ou provoca risos. Prefiro o sorriso da manhã.
Corro coar café. O cheirinho toma conta da casa. Abrindo a janela, respiro ar frio, sensação boa.
Rumando para o quintal, abro torneira do tanque, pressão forte, direto da rua. Gosto de lavar o rosto ali. Baixo a cabeça e deixo água correr solta na nuca, nos cabelos. Levanto de uma vez e, sem camisa, deixo a água escorrer fria pelas costas. Sinto-me na roça, beirando bica d’água. Desta vez senti molhar os pés descalços. Estranho. Mirei tanque por baixo. Nada errado à primeira vista. Abro a torneira e torno baixar. Lá está a causa da ducha entre dedos. Um trincado no sifão. Água corre lisa sobre piso e, em sinuoso micro rio, derrama não no mar, mas em verde grama.
Pronto. Assunto para resolver logo cedo. Faço o que tenho a fazer e rumo para imensa loja que de tudo vende. Mercearia agigantada.
Levo a peça machucada para não errar compra. Simpáticas vendedoras nos sorriem. Isca para bom negócio. Sonham comissões. Não, são educadas por natureza e treinamento. Encantam. Os estímulos multicoloridos perturbam e distraem. Entre labirinto de tapetes, são milhões em formatos e texturas, estão pias e vasos com formatos que vão do clássico ao surreal. Formigueiro de gente comprando. É a única que abre domingo. Passo por corredor de espelhos. Vejo-me mil vezes, em distorções e movimentos engraçados. Uma moça arruma os cabelos em um deles. Caraminholo. Por que entre tantos, escolheu justo aquele para se mirar?
Depois de algumas voltas encontro o que busco. Vejo medidas com cuidado, sou mestre em confundir 3/5 com meia, não gostaria de ter que voltar hoje ainda. Vendedor me explica que, de acordo com as polegadas do cano, posso cortar com segueta até chegar ao tamanho ideal. Pronto! Não tinha segueta, toco procurar seção de ferramentas. Claro, encontro. Todos os tipos, formatos de arcos, tamanhos e preços. Opto por uma miudinha, coisa de poucos reais.
Pego caminho da porta e ao ziguezaguear dos caixas, saio, não sem antes ceder aos encantos de prosa de vendedora e, ainda, comprar, além de sacola ecológica, um potinho de fragrância de bambu com palitinhos como dispersor. A capilaridade é minha aliada no perfumar.
Fila do caixa. Moça à minha frente se põe a admirar plantas em vasos. Percebo tremer de mão mineira. Ver com as mãos. Segundos difíceis para ela. Em impulso tocou e acariciou a flor. É de verdade! Exclamação quase infantil. Tão bonita, mas tão bonita que até parece de plástico, me disse baixinho. Ser de verdade em loja repleta de sintéticos é crime. Compartilhei feliz admiração dela.
Lembrei de meus passarinhos livres e canoros. Já pensou se tivesse que ouvir tantos cantos em disco ou relógios que os imitam de hora em hora? Vazio de natureza. Voltei correndo para casa, tudo por um sifão.
Publicado Jornal Correio em 26/10/2014 ( Dia do segundo turno de eleições para Presidente )
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