segunda-feira, março 30

Tempo, tempo, tempo



Em um março de algum ano nem tão longe assim, escrevi em meu caderno de poemas:


Estava eu distraído a contar estrelas quando relógio faminto pousou em meu pulso Sorveu voraz todo o tempo que nele cabia
Saciado, como bom tempo voou
Tristemente confesso; sinto falta de cada segundo roubado.


A rapidez misteriosa dessa marcha “ininterrupta e eterna de instantes” sempre me intrigou.
Quando muito jovens, reclamávamos da lentidão do seu passar. Não víamos a hora de comemorar aniversário de dezoito anos, um ritual de passagem imaginário onde a data mágica nos liberaria do jugo do mundo. Poderíamos sentar em um bar e pedir uma cerveja, poderíamos sem medo da polícia frequentar as casas e becos da rua Guaicurus, da Paraná, de banho tomado, barba feita – barba santo Homem, que barba? Penugens que, em nossa cabeça infantil, imaginávamos que nos envelhecia e nos fazia parecer mais velhos, viris. Empesteados de Leite de Rosas ou Lancaster deixávamos rastros de um perfume (?) dos quais abelhas, varejeiras e Aedes, mesmo não existindo mais em território nacional à época, fugiam em polvorosa, pior do que Rodox.

E podíamos dirigir. Juntamos migalhas, fazíamos biscates, vendíamos garrafas e jornais velhos, tudo para juntar dinheiro para pagar auto-escola – recuso-me a usar a nova grafia imposta pelo Acordo Ortográfico de 1990; só não uso o trema, que para mim só servia para borrar o papel quando ainda se escrevia usando caneta tinteiro. Fazer aqueles dois pontinhos era mancha imensa e certa no imaculado papel almaço.

Então, podíamos dirigir, tirávamos a suada carteira de habilitação, mas cadê o carro?
Não importava. O que valia era ostentar a carteira de motorista mesmo sabendo que seria revalidada muitas vezes até conseguirmos comprar nosso primeiro e carro velho, caindo aos pedaços, queimando óleo quarenta.

E tinha o título de eleitor, não servia para muita coisa à época, mas, em 1974 votamos pela primeira vez e sentimos o prazer de eleger Itamar Franco senador. Uma vingança à mordaça imposta pela redentora.
Quase ia esquecendo o temido certificado de reservista. Ninguém em sã consciência queria servir às Forças Armadas em plenos anos de chumbo.

Neste março que se vai sem águas suficientes que o fechem, meu filho fez 20 anos. Olho fotos dele em minha estante, bem pequenino ao lado da irmã também catatau. Hoje, barba e bigode, carteira de motorista, título de eleitor e carro, certificado de reservista. O tempo permitiu avanços. O tempo dá, o tempo tira.

Propus um acordo com o tempo. Me leve forças do corpo, clareie meus cabelos, não ocultarei as mechas brancas com Tablete de Santo Antônio, em troca, me deixe criança de alma, não permita que perca o encanto pelas insignificâncias tal qual meu mestre Manoel de Barros, quero ser contador de passarinhos em praças públicas, quero contar histórias e rir de mim mesmo. Ao tempo, entrego todo o meu viver.
Caetano encantou com sua “Oração ao Tempo”:

“És um senhor tão bonito/Quanto a cara do meu filho/Tempo, tempo, tempo, tempo/ Vou te fazer um pedido/ Tempo, tempo, tempo, tempo”.



Publicado Jornal Correio em 29/03/2015









quarta-feira, março 25

Palavras






Palavras são mágicas. Têm força de mantra e podem mudar rumo do acontecer. Não vou cair no lugar-comum de dizer que as palavras ferem mais do que a espada, metaforicamente tudo bem, mas se puderem escolher falem mal com gosto de mim. Meu velho pai, norte-americano do Brooklyn NY, sempre dizia “Sticks and stones may break my bones, but words will never hurt me”, pacifista incurável.

Nós humanos, via de regra, não possuímos poderes sobrenaturais, mas, às vezes, assim acreditamos.
Já aconteceu com você de desejar algo muito, mas muito mesmo a ponto de pensar nessa coisa o tempo todo e, de repente, do nada essa coisa acontece? Mãos erguidas em agradecimento como se aquele milagre divino fosse. Temos mania de achar que as coisas caem do céu, bem em nosso colo, basta acreditar e pronto.

Olha, não é tão simples. Assim fosse, meu Galo mineiro jamais perderia partida sequer, principalmente contra o Cruzeiro; ficaria rico sem esforço, se com muito esforço nunca conseguirei, imagina sem fazer nada, mergulhado em mentalizações e vontade. Dinheiro não vem do nada e se caísse na minha horta só choveria nota de três. A fé tem seu lugar mas, mesmo confiando no amigo, amarra o camelo.
Mas as palavras são mágicas. Podem elevar nosso astral ou nos jogar em depressão que nem química resolve, reza brava ou tirador de espírito não consegue nos erguer, o bicho pega.

Já desejou a morte de alguém? Claro que já, quem não? Livre pensar! É só pensar! diria Millôr. E um belo dia, logo depois de, inconscientemente, você rezar para que tinhoso levasse seu desafeto, você recebe um telefonema contando que o cabra ou a cabra morreu! Sentimento de culpa bate na hora. Pô, eu queria, mas não queria assim…. eu disse morrer, mas não morrerrrrr. Esquece, seu poder não é tamanho, você não é nenhum X-men, nenhum Professor Charles Xavier.

Agora, que a palavra escrita ou falada repetida milhões de vezes tem poder destrutivo, isso tem. A maior das mentiras vira verdade pétrea, podendo causar estragos em um país ou afetar toda a humanidade. A tal história das armas químicas do Sadam é um exemplo contemporâneo da força da propaganda. Não que o homem fosse santo, mas a desculpa para detonar com ele dentre outras tantas eram as tais armas. Cadê?

Tirando as infecções alimentares, porres homéricos, automedicação, feijoadas, dobradinhas, torresmo e pés de porco, refrigerantes, embutidos, estriquinina ou chumbinho, fico com a citação bíblica: “O que contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai”.

Felipe Wilkon nos conta: “Nada do que vem de fora de você pode lhe atingir intimamente. Não temos controle total sobre a matéria. Se alguém atirar uma pedra em você, a pedra pode atingi-lo. Mas um mau pensamento, uma má palavra, uma má intenção qualquer só irá atingi-lo se você permitir. (…)”
Sei não, quer saber, mesmo não acreditando em mandingas, feitiços ou trabalhos do mal, carrego a máxima andina: “No creo en las brujas pero que las hay, las hay… ”

Não custa apegar na fé, na proteção de santo de devoção e carregar bem rente ao corpo seu patuá… Que os anjos nos protejam. Salve Jorge!






Publicado em 22 de março de 2015 em Jornal Correio









quarta-feira, março 18

Tipos de pisadas

Vai começar a caminhar o correr? Evite lesões, conheça seu tipo de pisada e compre o tênis correto.



segunda-feira, março 16

Dr. Spock








Bom dia para quem me lê cedinho, boa tarde para quem deita no sofá depois do almoço abraçado ao nosso CORREIO, boa noite para quem tem paciência de esperar e para aqueles que não passam olhos pelos modestos escritos desse aprendiz das letras com Pós- Graduação em fábrica de macarrão de letrinhas.

Perdemos um ícone da ficção científica, Leonard Nimoy, o dr. Spock de “Jornada nas Estrelas”. Estranhamente não se deu a devida atenção a um que cativou milhares. Talvez em fã clubes espalhados pelo mundo possam ter ocorrido choros e homenagens. Por aqui, acho que estamos por demais ocupados com a realidade nua e crua que nos move em sobrevivência. Assim sempre foi e assim será sempre.

Suas orelhas pontudas, resultado de mistura vulcano/humano, seu cumprimento peculiar, juntando o “mindinho” com o “seu vizinho” e separando-os do “maior de todos” apertado ao “fura-bolo”, ficou eternizado na mente de muitas gerações – a série durou 40 anos, meus amigos e amigas. O sinal, por sinal, segundo o blog Literary Daydreams, “é símbolo da primeira letra (ou item) do alfabeto hebraico, chamado Shin. O ator Leonard Nimoy, nosso eterno Spock, era de uma família judaica ortodoxa. Em uma das bênçãos, o rabino de sua sinagoga fez o gesto com uma das mãos e Nimoy guardou aquilo.

Antes das gravações de “Star Trek”, os roteiristas lhe pediram para dar algum traço cultural aos nascidos no planeta Vulcan, terra natal de Spock. O ator sugeriu então a saudação feita pelo rabino, que, na história, seria equivalente ao aperto de mãos dos humanos.”

Seu super hiper golpe paralisante, um simples e ligeiro aperto de dedos na escápula adversária, e lá ia o oponente para um apagar sem sonhos. Todos levantavam desse golpe esfregando a nuca e ressabiados com um nada saber.

Sucesso entre a criançada, a série era praticamente imperdível, mesmo com o terrível som das dublagens primitivas que derrapavam na sincronização com os movimentos da boca, tipo desenho da mesma época “Jonny Quest” e seu fiel e medroso Bandit, onde as bocas boiavam em borrões sem nexo articular. Depois vieram os filmes, mas levados ao cinema, nem de perto lembram o gosto de pular no sofá e, olhos vidrados, acompanhar a saga dos navegantes intergalácticos, pela qual cada um de nós viajava em sua própria USS Enterprise.

“O espaço, a fronteira final… Estas são as viagens da nave estelar Enterprise, em sua missão de cinco anos para explorar novos mundos, pesquisar novas vidas, novas civilizações, audaciosamente indo, onde nenhum homem jamais esteve…”.

É para lá que Nimoy, em serena seriedade de Spock partiu, deixando saudades.

Cardassianos, Borgs, Ferengi, Klingons, Romulamos que se cuidem. Dr. Spock se ergue de sua cápsula funerária, no planeta Gênesis, revigorado, pronto a defender as civilizações do universo afora contra o mal.

“Vida longa e próspera” é o que podemos desejar ao dr. Spock. Afinal, partiu seu lado humano, mas seu lado vulcano a estas alturas deve estar no Quadrante Delta, do outro lado da galáxia, onde, como bom representante de sua raça alienígena, viverá 200 anos, pois só gastou 83 entre nós.

Publicado Jornal Correio de Uberlândia 15/03/2015










https://drive.google.com/file/d/0B3a7BJIdLwOhVUdDN2lmS2FpdkU/view?usp=sharing

quinta-feira, março 12

Conosco



Tempo se faz e não cumpro promessa de aqui contar história prometida. Algumas pessoas me cobraram. Enviaram “mails”, posts no Twitter, pombos correio chegaram anilhados à minha janela. Muitas duras in box no Face. Cartas de próprio punho, lotaram minha varanda. O brado era um só: “Cadê a história!?”
Bom, atendendo essa multidão fictícia de gente em clamor, hoje mato curiosidade de todos e todas – continuo tendo que me policiar para não esquecer de contemplar as questões de gênero, eita moda sem graça essa. Chega de enrolação.

Contam, não tenho como provar, pois fato se passou há muito tempo. Época que nem estrada de asfalto havia entre Iturama e Uberaba. Vir até Uberlândia? Só por Campina Verde, parando obrigatoriamente em Honorópolis para comer pastel de gueroba. Dava de mil no do Trevão. Dali até o Prata, eram 54 mata-burros contados. Resumindo, locomover-se pelas Gerais era um suplício, um exercício de paciência e resignação. Talvez este seja um dos motivos do nosso desconfiado silêncio mineiro, aprendemos a observar antes mesmo de andar ou falar. Daí a nossa relação maior com São Paulo e Goiás. Minas demorou aqui chegar.

Depois de muita carta timbrada passeando em lombo de burro, trem e jardineiras prá lá e prá cá, marca-se audiência com governador na capital. Pauta extensa, muito pedir, até construção de escolas rurais. Cabra bom, além de sua época. Pensar em escola naquele tempo?

Marcado o tal encontro, com uma antecedência de quem sabe o que vai enfrentar. Prefeito e comitiva pegam caminho. Rural Willys, muitos pneus reservas e correntes para caso de barro. O prefeito, como autoridade máxima do grupo impôs a regra clássica de tocador de boiada, peão criado no trecho: “Se tiver poeira vou à frente, se tiver porteira vou ao meio, se tiver atoleiro, vou atrás.”

Toca para a capital. Lá pelas tantas, bate fome no pessoal, encostam num dos postos e seguem para almoço. O prefeito desce, estica pernas, e volta para o carro.
— Prefeito, o senhor não quer comer alguma coisa conosco?
— Agradecido, patroa mandou matula, me refestelo com o tempero dela aqui na sombra dessa Copaíba.
Assim foi. Muitas paradas, atoladas. Boiadas imensas, que nem leito de rio de águas brancas mansas e lentas. Matula acabou.

Em todas as paradas, a mesma pergunta:
— Doutor, vamos comer um pouco conosco, a comida daqui é famosa.
— Agradecido, fico só na água da moringa.
Um pernoite, em fazenda conhecida já na virada da serra. Café ligeiro e toca caminho. Outro dormir, amanhecer e estrada que não acaba.

Outra vez hora do almoço.
— Dr. Prefeito, pelo amor do Santíssimo come alguma coisa conosco, o senhor está no jejum desde ontem. Assim o senhor desmaia fraqueza junto ao governo.
Tirou o chapéu, coçou cabeça. Esse era um dos motivos que alegou para não entrar na política, só comia o tempero da sua mulher. Era sistemático.

Mas a fome falou mais alto, se rendeu, riscou o chão com a botina, suspirou e lá se foi, cabeça baixa.
— Tá certo, vamos lá, deixa provar um pouco desse conosquinho que vocês tanto falam. Encantou-se, viu que era bom.







Publicado Jornal Correio em  08 de março de 2015






terça-feira, março 3

Gentílico




Não tem um diazinho na vida da gente que não aprendemos algo novo. Lendo antiga coluna aqui no CORREIO de Arthur Fernandes, como de costume – para ser franco ando tão longe de política partidária que, se não fosse a coluna do Ivan (Santos) e a “Confidencial” e algumas colunas especializadas de outros jornais, ficaria condenado ao enfado e alienação. Não estou mais no tempo de fazerem fácil minha cabeça, leio o que me chega com olhar crítico e sempre buscando entrelinhas nas palavras de políticos galanteadores, principalmente em vésperas de eleição. Pois foi a “Confidencial” que pousei os olhos na sonora palavra “soteropolitano”.

Confesso minha ignorância, não conhecia seu sentido. Claro, desconfiei com base no texto do que se tratava, mas, como bom mineiro, lancei mãos ao Aurélio. E lá, confirmei minha suspeita. Explicadinho:
(Soterópoli[s], topônimo [nome helenizado da cidade de Salvador] + -ense) adjetivo de dois gêneros 1. Relativo a Salvador, capital do estado da Bahia, no Brasil. Substantivo de dois gêneros; 2. Natural ou habitante de Salvador; Sinônimo Geral: Salvadorense.

Salvadorense eu tinha vaga lembrança, mas, na realidade, nunca havia pensado nisso. Para mim, quem nasce em Salvador era outra coisa, sem nome definido. Capoeira, passar uma tarde em Itapoã, elevador Lacerda, pelourinho, acarajé no tabuleiro da baiana. Igreja e Fita de Nosso Senhor do Bonfim, Praça Castro Alves, Caimmy, Caetano, Gil, Bethânia. Dodô e Osmar, pois “atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu”.

Depois dessa resolvi fazer busca de gentílicos pitorescos de nosso Brasilzão, encontrei encantadoras pérolas, a maioria quase absoluta acaba em “ense”, mas outras soam música, mostro alguns. Natural do Rio Grande do Norte, conhecido potiguar. Paroara para quem nasce no Pará é místico, vejo ao longe boto-cor-de-rosa, pororoca, Jussara. As surpresas, quem nasce no Paraná além de paranaense também pode ser chamado de tingui. Fluminense para quem é do Rio de Janeiro – viu só, pelo menos, em algum momento, todo flamenguista ou botafoguense é fluminense: plebiscito já para mudar tal absurdo.
Os curiosos: quem é natural de Brasília, não errou quem chutou candango, quem, no DF, nasce é Distrital. Feia denominação, mas foi esta encontrada e, claro, lembra política. Brasiliense veio depois para lapidar denominação que um dia já foi candango.

O absurdo: com esta encontrada bati de frente, sabem como podemos nós mineiros ser chamados? Acredite se quiser: montanhês ou geralista. Sai fora, montanhês é cabrito e geralista lembra generalista, o que podemos até ser em se tratando de nossas belezas, nossa gente, nosso céu, montanhas, cerrado, vales e rios. Nossa história, nossas catedrais construídas ou esculpidas em vento e chuva. Nas palavras de Frei Beto: “Mineiro a gente não entende – interpreta. Ser mineiro é antes de tudo um estado de espírito.”

Obrigado, Arthur Fernandes, mais uma vez por tuas mãos, ou escritos, enriqueço meu parco vocabulário. Muito Axé e que São Jorge Guerreiro que é Ogum te ilumine com sua luz protetora.







Publicado Jornal Correio em 1º de março de 2015




 https://drive.google.com/file/d/0B3a7BJIdLwOhczJfUHB0dF9OSmM/view?usp=sharing