Tempo se faz e não cumpro promessa de aqui contar história prometida. Algumas pessoas me cobraram. Enviaram “mails”, posts no Twitter, pombos correio chegaram anilhados à minha janela. Muitas duras in box no Face. Cartas de próprio punho, lotaram minha varanda. O brado era um só: “Cadê a história!?”
Bom, atendendo essa multidão fictícia de gente em clamor, hoje mato curiosidade de todos e todas – continuo tendo que me policiar para não esquecer de contemplar as questões de gênero, eita moda sem graça essa. Chega de enrolação.
Contam, não tenho como provar, pois fato se passou há muito tempo. Época que nem estrada de asfalto havia entre Iturama e Uberaba. Vir até Uberlândia? Só por Campina Verde, parando obrigatoriamente em Honorópolis para comer pastel de gueroba. Dava de mil no do Trevão. Dali até o Prata, eram 54 mata-burros contados. Resumindo, locomover-se pelas Gerais era um suplício, um exercício de paciência e resignação. Talvez este seja um dos motivos do nosso desconfiado silêncio mineiro, aprendemos a observar antes mesmo de andar ou falar. Daí a nossa relação maior com São Paulo e Goiás. Minas demorou aqui chegar.
Depois de muita carta timbrada passeando em lombo de burro, trem e jardineiras prá lá e prá cá, marca-se audiência com governador na capital. Pauta extensa, muito pedir, até construção de escolas rurais. Cabra bom, além de sua época. Pensar em escola naquele tempo?
Marcado o tal encontro, com uma antecedência de quem sabe o que vai enfrentar. Prefeito e comitiva pegam caminho. Rural Willys, muitos pneus reservas e correntes para caso de barro. O prefeito, como autoridade máxima do grupo impôs a regra clássica de tocador de boiada, peão criado no trecho: “Se tiver poeira vou à frente, se tiver porteira vou ao meio, se tiver atoleiro, vou atrás.”
Toca para a capital. Lá pelas tantas, bate fome no pessoal, encostam num dos postos e seguem para almoço. O prefeito desce, estica pernas, e volta para o carro.
— Prefeito, o senhor não quer comer alguma coisa conosco?
— Agradecido, patroa mandou matula, me refestelo com o tempero dela aqui na sombra dessa Copaíba.
Assim foi. Muitas paradas, atoladas. Boiadas imensas, que nem leito de rio de águas brancas mansas e lentas. Matula acabou.
Em todas as paradas, a mesma pergunta:
— Doutor, vamos comer um pouco conosco, a comida daqui é famosa.
— Agradecido, fico só na água da moringa.
Um pernoite, em fazenda conhecida já na virada da serra. Café ligeiro e toca caminho. Outro dormir, amanhecer e estrada que não acaba.
Outra vez hora do almoço.
— Dr. Prefeito, pelo amor do Santíssimo come alguma coisa conosco, o senhor está no jejum desde ontem. Assim o senhor desmaia fraqueza junto ao governo.
Tirou o chapéu, coçou cabeça. Esse era um dos motivos que alegou para não entrar na política, só comia o tempero da sua mulher. Era sistemático.
Mas a fome falou mais alto, se rendeu, riscou o chão com a botina, suspirou e lá se foi, cabeça baixa.
— Tá certo, vamos lá, deixa provar um pouco desse conosquinho que vocês tanto falam. Encantou-se, viu que era bom.
Publicado Jornal Correio em 08 de março de 2015
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